Pós-dramático

Pós-dramático

 

O pós-dramático não é um estilo, nem um gênero, ou uma estética. O conceito reúne práticas teatrais múltiplas e díspares cujo ponto comum é considerar que nem a ação nem os personagens", no sentido de caracteres, assim como a colisão dramática ou dialética dos valores, e nem sequer figuras identificáveis são necessárias para produzir teatro (Lehmann). Nesse sentido, o pós-dramático supera a oposição tradicional entre épico e dramático. É "dramático" todo teatro que pretenda representar o mundo, de maneira direta ou distanciada, e que coloca o ser humano no centro do dispositivo. Se Brecht designava o gênero dramático como um teatro do discurso e da mimese", todas as experiências épicas para substituir a mimes e pela diegese não são, aos olhos do pós-dramático, senão uma renovação e consumação do teatro dramático tradicional: elas também não concebem o teatro senão como representação de um cosmo fictício.

Nessa perspectiva, as revoluções cênicas do século XX, no que se refere a boa parte delas, teriam se inclinado a reforçar a forma dramática a fim de salvar o texto e sua verdade, quando estes achavam-se ameaçados por práticas teatrais tornadas convencionais. Inversamente, o teatro pós-dramático "reivindica a encenação como começo e como ponto de intervenção, e não como transcrição" de uma realidade que lhe seria exterior (Lehmann). Logo, não lhe é necessário convocar as dimensões tradicionalmente ligadas ao teatro. Em contrapartida, ele recorre a todas as artes: dança, canto, música, pantomima, teatro falado, artes gráficas, iluminação, vídeo, imagens virtuais, hologramas... O objetivo é solicitar a imaginação, desencadear associações, obter "a criação de um mundo de imagens que resista a uma leitura interpretativa e que não possa ser reduzido a uma metáfora unívoca" (Heiner Müller). O texto não é excluído desse dispositivo, mas não é mais considerado o suporte e o pressuposto da representação. É um elemento entre outros, no mesmo plano que o gestual, o musical, o visual. Como aponta Hans-Thies Lehmann, "o passo para o teatro pós-dramático é dado quando todos os meios teatrais para além da linguagem veem-se instalados em pé de igualdade com o texto, ou podem ser sistematicamente pensados sem ele”.

O pós-dramático é um apelo à autonomia real do teatro em relação ao drama, tal como fora pressentida ou almejada desde o fim do século XIX pelos simbolistas e de múltiplas maneiras em seguida, em Artaud, nos surrealistas, em Gertrude Stein, Witkiewicz etc., e que não teria chegado à maturação efetiva senão nas últimas décadas do século XX.

Nesse espírito, podem ser consideradas como do domínio do pós-dramático, por diversos motivos, não necessariamente conciliáveis, as realizações de Tadeusz Kantor, certas peças de Heiner Müller, certas encenações de Jean-Jourdheuil e Jean-François Peyret, de Klaus Michael Grüber, os espetáculos de teatro dançado de Pina Bausch, as encenações de Bob Wilson e, mais amplamente, numerosas formas experimentais que reúnem artistas de horizontes diversos, preocupados em suscitar encontros e descobrir elos entre as artes no palco do teatro.

Qual será a memória desse teatro na ausência de um texto que, até aqui, cumprira essa função? O vídeo? Uma partitura ainda por ser criada na qual estariam consignados dança, música, texto e os múltiplos elementos do espetáculo? Talvez o pós-dramático venha a ser um teatro sem memória ou cuja memória será necessariamente fragmentária.

 

JEAN-LOUIS BESSON

 

 

 

SARRAZAC, Jean-Pierre (org); Catherine Naugrette... [et al.]. Léxico do drama moderno e contemporâneo. São Paulo: Cosac Naify, 2012. (pág. 146-7)