Interpretação

 

Abordagem crítica pelo leitor ou pelo espectador do texto e da cena, a interpretação se preocupa em determinar o sentido* e a significação. Ela concerne tanto ao processo da produção do espetáculo pelos "autores" quanto ao de sua recepção pelo público.

 

1. Interpretação da Encenação

O texto dramático não é representável "diretamente" sem um trabalho dramatúrgico* prévio, destinado a escolher o aspecto significativo da obra que a cena deve valorizar. A leitura escolhida, a concretização da obra dependem tanto da época e das circunstâncias da encenação* quanto do público ao qual se dirige a representação.

 

2. Interpretação do Ator

A interpretação do ator varia de um jogo regrado e previsto pelo autor e pelo encenador a uma transposição pessoal da obra, uma recriação total pelo ator, a partir dos materiais à sua disposição. No primeiro caso, a interpretação tende a apagar-se a si mesma para fazer com que apareçam as intenções de um autor ou de um realizador; o ator não assume seu papel de utilizador e de transformador da mensagem a ser transmitida: ele não passa de uma marionete. No segundo caso, ao contrário, a interpretação toma-se o local onde se fabrica inteiramente a significação, onde os signos* são produzidos não como consequência de um sistema preexistente, mas como estruturação e produção deste sistema. Desde o advento da encenação* que se recusa a ser subjugada por um texto onipotente e congelado num único significado, a interpretação não é mais uma linguagem secundária - ela é a própria matéria do espetáculo.

 

3. Interpretação do Leitor ou do Espectador

 

a. Abordagem hermenêutica

"Interpretar um texto [ ... ] não é procurar uma intenção oculta por trás dele, é acompanhar o movimento do sentido rumo à referência, isto é, rumo à espécie de mundo, ou melhor, de estar-no-mundo, aberta diante do texto. Interpretar é tomar manifestas as novas mediações que o discurso" instaura entre o homem e o mundo" (RICOEUR, 1972: 1014). Não poderíamos privar-nos - como pôde fazer crer uma certa semiologia da comunicação" aplicada mecanicamente à literatura e às artes - da noção de hermenêutica* e de interpretação. A interpretação organiza a diversidade das possíveis leituras de uma mesma obra: ela convida a avaliar o trabalho produtivo e receptivo do espectador, sua relação hermenêutica com o espetáculo: "A relação do espectador com o espetáculo é, constitutivamente, turva, incerta, equívoca: é a ele que cabe, não perseguir o sentido, mas assistir a seu nascimento, produzi-Io numa ligação de comunicação com o espetáculo de maneira tão aleatória que ela sem dúvida não merece mais esse nome, mas, plenamente, o nome de interpretação" (CORVIN, 1978: 15).

 

b. A semiótica e a semântica

A distinção de BENVENISTE (1974: 43-67) entre a dimensão semiótica - o sistema fechado de diferenças entre os signos e a dimensão semântica - que abre o sistema para o mundo e o discurso, a situação e o intérprete - permite distinguir entre o sentido* da representação e sua significação*. Se o sentido descreve o funcionamento imanente da obra (sua estrutura), a interpretação engloba a representação nos sistemas exteriores de uma época, de uma história e de uma abordagem subjetiva do espectador.

 

c. Pluralidade das interpretações

O trabalho crítico sobre o texto ou a cena faz a escolha entre a busca (problemática) de um centro de gravidade (portanto, de uma interpretação estática) e a multiplicação de seus trajetos interpretativos e das possíveis vetorizações no interior do espetáculo. Esta última possibilidade parece gozar atualmente das boas graças dos que fazem teatro, muitas vezes adeptos do pluralismo e fazendo eco a R. BARTHES: "Interpretar um texto não é dar-lhe um sentido (mais ou menos fundamentado, mais ou menos livre), é, ao contrário, apreciar de que plural ele é feito" (1970: 11). 

 

Fonte:

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999. Pág. 212-3