Mímica

 

1. Na Era Clássica, a mímica compreende ao mesmo tempo a linguagem por gestos e as atitudes do rosto. Pelo menos o autor do verbete "Gesto" da Enciclopédia de DIDEROT define, por exemplo, o gesto como "movimento exterior do corpo e do rosto, uma das primeiras expressões dadas ao homem pela natureza". O uso atual da palavra diz respeito sobretudo aos jogos de fisionomia ou expressão facial. Estes jogos têm uma função paraverbal para sublinhar ou distanciar um enunciado verbal, fazer notar uma reação psicológica a um estímulo, comunicar uma mensagem pelo olhar, a "careta", a contração ou o relaxamento de um ou vários músculos faciais, a contradição entre o olhar e a boca.

2. A mímica, sua codificação precisa imediatamente compreendida pelo espectador (com uma precisão extrema comparável à da entonação) pode parecer sobretudo importante no estilo de interpretação naturalista e psicológica. O rosto está ligado à psicologia, ao indizível, a toda uma metafísica do corpo que fala, manipulável com a facilidade das "máquinas da ópera" (MARIVAUX). A mímica é, além do mais, "no teatro, o lugar onde se diz, de maneira mais clara, a reflexividade do discurso produzido pelo ator, que não só diz a fala-ato, mas diz que a diz" (UBERSFELD, 1981: 227). Limitar a mímica a um acompanhamento fático e para verbal seria reduzir excessivamente seu alcance. Sem dúvida, a mímica é bastante utilizada, como na comunicação cotidiana, principalmente como modalizador da mensagem linguística, como efeito de presença e função fática, mas pode, também constituir um sistema autônomo não ligado a efeitos de real psicológicos, a uma verdadeira encenação do rosto e do corpo inteiro (no teatro gestual*, por exemplo). A era clássica já havia previsto e captado. em poses reproduzi das por gravuras expressões estereotipadas e atitudes, e o sentido codificado delas, o que não deixa de levar a uma convencionalização paralisante do jogo do ator e a uma psicologização da expressividade. Por reação a esta deriva psicológica da mímica, a teoria moderna da encenação, aquela de ARTAUD ou GROTOWSKl, por exemplo, influenciadas, ambas, pelas tradições extremo-orientais, busca codificar e controlar o corpo de maneira plástica (e não mais como subproduto psicológico). Segundo ARTAUD, "as dez mil e uma expressões do rosto tomadas em estado de máscara poderão ser etiquetadas e catalogadas, visando participar direta e simbolicamente desta linguagem concreta da cena; e isto fora de seu uso psicológico particular" (1964b: 143). Para GROTOWSKl, "o próprio ator deve compor uma máscara orgânica por intermédio de seus músculos faciais e cada personagem conserva a mesma careta ao longo da peça" (1971: 68, fotos: 64). Certas formas teatrais, como a Commedia dell'arte* ou a farsa, menos ligadas à psicologia ou à codificação do rosto, recusam a precisão mímica do rosto em benefício de uma gestualidade do resto do corpo, principalmente pelo uso da máscara* (COPEAU, DECROUX, LECOQ), ou de uma maquiagem* pesadíssima para neutralizar a expressão facial considerada demasiado precisa e invasiva. BRECHT admirava em Karl VALENTIN e Charlie CHAPLIN "a renúncia quase completa aos jogos fisionômicos e à psicologia barata" (BRECHT, 1972: 44). A criação contemporânea se caracteriza por uma atenção cada vez maior ao rosto, às mãos, ao olhar, ao corpo inteiro. O rosto se torna um cenário ambulante, seja ele controlável como uma marionete* ou submetido a efeitos dificilmente controláveis. Ele é o lugar onde o sentido desenha signos na carne.

 

Fonte:

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999. Pág. 242-3