2. O texto

Costuma-se conceder prioridade ao texto, na análise do fenômeno teatral. Até os encenadores e intérpretes mais bem-sucedidos, como Baty (1885-1952) e Jouvet (1887-1951), reverenciam o dramaturgo, fonte de sua atividade. Baty encontrou uma bela fórmula para exprimir a precedência do elemento literário: "O texto é a parte essencial do drama. Ele é para o drama o que o caroço é para o fruto, o centro sólido em torno do qual vêm ordenar-se os outros elementos. E do mesmo modo que, saboreado o fruto, o caroço fica para assegurar o crescimento de outros frutos semelhantes, o texto, quando desapareceram os prestígios da representação, espera numa biblioteca ressuscitá-los algum dia" (ver Gaston BATY, l.c metteur en scêne, in Rideau baissé, Paris, Bordas, 1949, p. 218). Citando que "no começo era o verbo", Jouvet reconheceu que "o escritor é o elemento principal e ativo e o verdadeiro diretor" (ver Louis JOUVET, Réjlexions du comédien, Rio de Janeiro, Americ, 1941, p. 218). Sem obra dramática, não há teatro. A existência de uma peça marca o início da preparação do espetáculo. A arqueologia, porém, não autoriza a exegese do ator francês. No começo não era o verbo, como não era o bailarino ou outro elemento da representação. Desde o princípio, as partes do teatro teriam aparecido indissociadas. De nada adianta afirmar que não se faz espetáculo sem peça. O texto, alinhado na biblioteca, sem alguém que o encene, também não é teatro. Será sempre mais fecundo pensar a arte dramática na totalidade dos seus elementos. Ao escrever a peça, o dramaturgo autêntico já supõe a encenação, da qual participa obrigatoriamente o público. Se ele quisesse prescindir da representação, preferiria outro gênero literário. Pode o autor não se importar com a acolhida do público, mas nunca deve esquecer que as suas palavras precisam ser encontradas em função de uma audiência.


Teatro literário - Aqueles que não têm a vocação legítima do teatro hipertrofiam o significado do texto como literatura. O espetáculo seria a boa ou a má execução de uma obra completa em si mesma, determinante único da categoria artística do teatro. Romancistas e poetas que não dominam o diálogo cênico escudam-se na crença de que, embora não tenham escrito uma peça teatral (e há no qualificativo uma velada ironia), fizeram boa literatura. Essa posição opõe-se à dos fabricantes de peças, artesãos hábeis, que normalmente estão fora da literatura, e se distinguem pelo que se convencionou chamar carpintaria teatral. Os dois pontos de vista acham-se equidistantes do teatro autêntico, e talvez o primeiro tenha menos contato com ele do que o segundo. Não se recordam exemplos de peças que sejam boa literatura e mau teatro. Embora o juízo possa parecer demasiado severo, os textos de teatro que não se definem como teatrais acabam também por enriquecer o rol da má literatura.

 

Matéria  - Lide o poeta com o verso ou a palavra e o romancista com a narrativa, o veículo do dramaturgo é o diálogo. O romance pode também valer-se do diálogo, mas subsidiariamente, sem que abarque toda a narração. Grande parte da dramaturgia clássica foi vazada em verso, não cabendo, apenas por isso, taxá-la de poética. Aliás, a simples existência do verso, como se sabe, não significa poesia. No teatro, alega-se que muitos diálogos de Ibsen, feitos em prosa, encerram mais poesia do que peças inteiras escritas em versos.  O diálogo teatral requer um encadeamento próprio, porque deve ser transmitido pelo ator. Sua matéria, na boca de um ser humano que o pronuncia, visa à criação da personagem. No transcurso do espetáculo, instaura-se o universo teatral por intermédio da ação de personagens em cena.

 

Drama, etimologicamente, significa ação. A simples conversa, entabolada como diálogo, não constitui ação, e por isso carece de teatralidade. Para se facilitarem a tarefa de fixar personagens agindo, os autores antepõem-lhes obstáculos, cuja transposição conduz ao desfecho. Os obstáculos colocam-se no íntimo ou no exterior das personagens, e caracterizam o conflito, que a maioria dos teóricos julga essencial ao conceito de drama.

Ação confunde-se na linguagem leiga com enredo ou intriga. Itenri Gouhier (1898- ) distingue-os com objetividade, propondo uma definição técnica, de proveito para dramaturgos e estudiosos. Muitas vezes, por inadvertência, se escreve ação, quando a palavra adequada seria enredo. Pierre-Aimé Touchard (1903- ) já havia denominado o enredo o esqueleto da ação (ver Pierre-Aimé TOUCHARD, Dionysos, apologie pour le théâtre, Paris, Seuil, 1949, p. 119). Estabelecendo paralelo com o esquema dinâmico de Bergson, Gouhier ensina: "A ação é, pois, um esquema dinâmico com personagens que pedem vida e situações que tendem a ser encenadas, vida e representação estando dirigidas num certo sentido" (ver Henri GOUHIER, L'oeuvre théâtrale, Paris, Flammarion, 1958, p. 73). O enredo, igualmente essencial à obra, opera a encarnação, "para oferecer à ação a possibilidade de desenrolar-se num tempo datado, de exteriorizar-se num espaço habitável" (p. 80). Exemplifica o ensaísta a distinção com Bérénice e L'étourdi. A tragédia de Racine (1639-699) é "o tipo da peça em que a ação atualiza sua força dramática ao máximo com um mínimo de intriga" (p. 80-1). Já a comédia de Molière se mostra "o tipo da peça em que tudo é intriga, e até intrigas: a ação, se nos atemos mais à palavra que ao objeto, é reduzida a uma indicação" (p. 85). Acaba o esteta por referir-se à (unção fabuladora do enredo e à emoção criadora da ação. O enredo cumpre o objetivo de divertir e a ação faz as personagens existirem como pessoas.

Apresentação, desenvolvimento e solução de um conflito - eis o esquema habitual da chamada peça bem feita, alimento rotineiro dos espetáculos. Esse processo construtivo sugere a ideia de unidades de ação, tempo e lugar. As personagens, dado o tempo mínimo em que se desnudam para o público, surgem no palco já à beira da crise aguda que lhes definirá o destino. Para que não se disperse a atenção do espectador e não se prejudique a organicidade do texto, concentram-se os conflitos num tempo e num lugar. Os conceitos mais ou menos restritivos dessas unidades fazem que a peça se passe num dia ou em meses e num só recinto ou na mesma cidade. Tudo são convenções e o texto, obra de ficção, observa-as ou se liberta delas, impondo-se pela própria capacidade de convencer.

 

Gêneros - Não se pode tratar do texto sem uma referência aos gêneros aos quais ele se filia. Louvando-se em Aristóteles, trata distas apresentam como gêneros básicos, na tradição ocidental iniciada na Grécia, a tragédia e a comédia. Ambas ligam-se ao culto dionisíaco, portador no seu bojo do elemento sombrio da primeira e da expansão alegre da segunda. Desconhecem-se, porém, as fases intermediárias dessa passagem, e o próprio Aristóteles desmente a "pureza" dos gêneros, ao afirmar que a epopeia traz em germe a tragédia e Homero (séc. IX a.C.") foi "o primeiro que traçou as linhas fundamentais da comédia" (ver ARISTÓTELES, Poética, p. 73). Na estrutura da comédia aristofanesca, a única subsistente do século V a.c. e a sua mais genuína expressão, encontram-se o cornos ático (sobrevivência do culto ao deus Dionísio, no cortejo de camponeses ébrios e indisciplinados entoando os cantos fálicos), a farsa do Peloponeso e a comédia siciliana (contribuindo com a ideia de entrecho) e a própria tragédia (que lhe levou as suas conquistas formais, pela técnica do verso e ordenação das partes). Cada gênero, no seu apogeu, aparece, assim, contaminado e impuro, e a pluralidade de elementos que o compõem recusa o rigor em sua caracterização. A última peça da tetralogia trágica é chamada drama satírico, gênero híbrido, que toma o próprio Dionísio e seu séquito como personagens e se destina provavelmente a engastar o espetáculo no culto religioso.

O teatro erudito de Roma nacionalizou o legado grego, e a dramaturgia medieval, despontando nas novas línguas em formação, estabeleceu seus próprios gêneros. As peças religiosas da Idade Média francesa dividem-se em dramas litúrgicos, dramas semilitúrgicos, milagres e mistérios, correspondendo em parte às laudas dramáticas da Itália ou aos miracles e moralities ingleses. O Século de Ouro espanhol valoriza na plenitude o auto sacramental. As várias denominações referem-se à terminologia cristã que lhes deu origem, e seriam abandonadas pelos teatros que, no Renascimento, voltaram ao modelo greco-latino, A revivescência clássica atingiu sobretudo a Itália e a França, ao passo que a Espanha e a Inglaterra mostraram-se mais sensíveis ao espírito medieval. Procuram-se aqui, naturalmente, os amplos painéis didáticos, porque não será difícil discernir na tragédia de Corneille (1606-1684) a continuidade dos gêneros medievais, em lugar da estrita observância dos padrões aristotélicos. Nesse quadro, Shakespeare (1564-1616), que tantos estudiosos não hesitaram em qualificar de bárbaro, apôs seu selo pessoal, visando a uma nova síntese de elementos trágicos e cômicos. As tragédias puras do autor de Hamlet são assim designadas não porque estejam isentas de cenas cômicas, mas porque a catástrofe do desfecho acarreta a morte dos protagonistas. Shakespeare foi o grande mestre do romantismo e Victor Hugo (1802-1885), no prefácio de Cromwell, manifesto estético do movimento, preceitua a adoção de um texto que passa naturalmente da comédia à tragédia, do sublime ao grotesco. Preferiu-se denominar drama esse novo gênero compósito, e daí por diante o teatro desrespeitou sem pejo as classificações tradicionais. A chamada dramaturgia de vanguarda, sobretudo, fez questão  de abolir os gêneros rotineiros, e, para citar um só exemplo, veja-se a obra de Ionesco (1909- ): A cantora careca, antipeça; A lição, drama cômico; Jacques ou a submissão, comédia naturalista; As  cadeiras, farsa trágica; e Vítimas do dever, pseudodrama. O teatro de hoje procurou refletir, até nos gêneros, a dissociação do homem contemporâneo.

O predomínio da ação ou da intriga enquadra uma peça. A fronteira entre os gêneros não pode ser determinada com precisão, vendo-se, a cada instante, comédia com elementos dramáticos e drama com elementos cômicos. A tragédia estaria codificada com maior rigor, por causa do exemplo de Esquilo (525-456 a.C.), Sófocles (496-406 a.C, ) e Eurípides, e dos preceitos da Poética aristotélica, da  qual se perderam os capítulos relativos à comédia. A mimese trágica fixaria os homens melhores do que eles ordinariamente são, e a cômica, piores. Ao definir a tragédia, Aristóteles refere-se à imitação de ações de caráter elevado. Todos esses conceitos são demasiado vagos, e não correspondem à obra dos três trágicos. Que significarão homens melhores? Entraria aí ponto de vista ético ou classe  social, já que a tragédia se nutre da saga heroica, a cargo de reis e aristocratas? Sob o aspecto moral, discutem-se ações de vários heróis trágicos, como Xerxes, Clitemnestra ou Creonte. O que provoca a tragédia de muitos protagonistas é a transgressão de leis religiosas ou de suposto direito natural, acarretando a sua perda. E paira sobre a tragédia a presença da fatalidade, a dependência humana do arbítrio divino, a noção fundamental da vida como efêmero e sofrimento - circunstâncias ausentes da teorização aristotélica. Interessado mais em explorar o efeito patético, Eurípides timbrou em trazer para a cena reis aleijados ou em andrajos. Há quem negue a possibilidade da tragédia, no mundo moderno, porque a partir do cristianismo se desenvolveu a ideia do livre-arbítrio, incompatível com os postulados da religião grega. Como acreditar hoje em vontade superior dos deuses, regendo o destino humano? Os dramaturgos atraídos pelo gênero trágico procuraram deslocar a fatalidade para o conflito com o meio sufocante ou a própria falha interior. Dentro dessa acepção ampla é que se podem considerar tragédias, por exemplo, Mourning becomes ELectra (ELectra e os fantasmas), de O'Neill (1888-1953), e Death of a salesman (A morte de um caixeiro-viajante), de Arthur Miller (1915- ).

O drama, liberto da fatalidade e mais condizente com os conflitos do cristão, que podem ser resolvidos sempre pelo arrependimento e pela penitência, medrou na literatura teatral e compreende as peças normalmente denominadas sérias. Se nele predomina a intriga, sendo mínima a ação, assenta-lhe a palavra melodrama, tão em voga no teatro de efeitos fáceis e lacrimejantes. A comédia, nas incursões mais ambiciosas, recusou sempre confronto desfavorável com a tragédia, embora o preconceito contra ela já se manifestasse no atraso com que foi admitida nos concursos atenienses. Uma das grandes lutas de Aristófanes (446?-385? a.C) foi para limpar a comédia da pornografia e da lascívia de sua dança (o córdax), conferindo-lhe dignidade semelhante à da tragédia. Na parábase de Os cavaleiros, chega o autor a proclamar que a arte de fazer comédias é a mais difícil de todas. Nessa senda, acompanhou-o Moliere, reivindicando para o gênero uma inequívoca superioridade. Afirma o comediógrafo, na Critique de L' écoLe des femmes (Crítica da escola de mulheres): "se, pela dificuldade, se colocasse o mais no caso da comédia, talvez não fosse engano. Porque, enfim, acho que é bem mais fácil guindar-se aos grandes sentimentos, desafiar em versos a Fortuna, acusar os Destinos e dizer injúrias aos Deuses, do que penetrar devidamente no ridículo dos homens, e exprimir agradavelmente no teatro os defeitos de todo mundo. Quando se pintam heróis, faz-se o que apraz; são retratos de pura invenção, nos quais não se procura de modo algum a semelhança, e onde se tem a seguir a trilha de uma imaginação que se dá livre curso, e que frequentemente deixa o verdadeiro para agarrar o fantástico. Mas quando se pintam os homens, é preciso pintar ao vivo; deseja-se que esses retratos sejam fiéis, e nada se obteve se neles não se conseguiu fazer reconhecer as pessoas do seu tempo. Numa palavra, nas peças sérias, basta, para não ser censurado, dizer coisas que sejam de bom senso e bem escritas; mas isso não é suficiente nas outras, é preciso brincar; e é uma estranha empresa a que consiste em fazer rir as pessoas de bem".

Essa reivindicação, fundada na qualidade das peças, não deixa dúvida quanto à mesma hierarquia da comédia e da tragédia. Analisando o problema, Gouhier não chega a outra conclusão e afirma: "não há maus gêneros: há somente más peças" (obra citada, p. 203). A ação define também a comédia e, quando ela dá lugar à intriga, urge o vaudeville, que está para a comédia, como o melodrama para o drama. Gouhier admite uma hierarquia, porém, em termos exclusivamente teatrais, que não apelam para conceitos éticos, filosóficos ou religiosos. Cada gênero fornece as suas obras-primas. Mas será justo distinguir entre Tartuffe, de Moliêre, e Occupe-toi d'Amélie, de Feydeau (1862-1921). A peça de ação alcança um grau mais elevado do que a peça cuja intriga se basta. Com a primeira, "o teatro atinge seu duplo fim: divertir criando personagens que existem como pessoas" (p. 212). Numa dramaturgia maior, o poeta insufla "a vida a personagens dotadas de uma existência histórica e misteriosa como a das criaturas" (p. 216). O simples enredo não basta para que as personagens apareçam em sua completa dimensão humana.

 

Situação e caracteres - Outra divisão habitual na dramaturgia é a de peça de situação e peça de caracteres. Ela conduziria, na aparência, aos conceitos de intriga de ação: a primeira, dominada pela intriga, e a segunda, alimentando-se da ação. Sartre (1905-1980) definiu o teatro moderno como de situação, oposto ao antigo, que seria de caracteres, Esse conceito já não se ajustaria às ideias de intriga e de ação, porque seria inconcebível reduzir o teatro moderno à intriga. A distinção vem da própria problemática sartriana, em que o homem escolhe sempre numa situação dada. "Se é verdade que o homem é livre em uma situação dada e que se escolhe livre numa situação dada e que se escolhe nesta e por esta situação, então é preciso mostrar no teatro situações simples e humanas e liberdades que se escolhem nestas e por estas situações ... " (apud Francis JEANSON, Sartre par lui-même, Paris, Seuil, 1955, p. 11). Está claro, porém, que a situação procura aí ressaltar a ação do homem se escolhendo. O talento na invenção de situações acaba por traçar a trajetória de um caráter. Não é outro, de resto, o processo de Corneille em Le Cid, em que o protagonista escolhe permanentemente entre duas possibilidades que as situações lhe oferecem. Por certo toda grande peça se assinala pela justeza e inteligência das situações e pela profundidade dos caracteres que se forjam dentro delas.

 

Objetivo - O texto deve ser escrito para a eficácia do espetáculo. Não admite apenas uma reação a posteriori, que o espectador sentiria ao voltar para casa. Meditam-se certos aspectos, sem dúvida, numa reflexão que sucede ao cair da cortina. O prazer estético sente-se, globalmente, no decorrer da representação, e não se consegue revivê-lo, mais tarde, se não se manifestou na presença do ator. O imediatismo do efeito teatral reclama da peça uma série de características. Os diálogos precisam sugerir que são os únicos que poderiam ser pronunciados, naquela situação. A fala harmoniza-se com o conjunto do desempenho, não sufocando o ator, pela demasia, até amarrar-lhe os gestos e os movimentos. As sutilezas da frase, cuja percepção não se coaduna com a rapidez das réplicas, vivem mal no palco. A síntese poderosa capta o público pelo choque. Escreveu-se com abundância que uma peça deve ser verossímil. Esse pressuposto contribuiu muito para, na dramaturgia de propósitos realistas, se abolirem os monólogos, já que não é natural que as pessoas falem sozinhas. A conversão do monólogo em diálogo passou a expandir-se, também, no teatro renascentista, com o objetivo de se alcançar maior dramaticidade. Ao invés de monologarem, os protagonistas da tragédia de Racine dialogam com seus confidentes. Colocar a verossimilhança como padrão de valor excluiria do teatro os enredos fantásticos ou fantasiosos, que muitas vezes convencem mais a plateia. Toda a comédia aristofanesca não poderia ser aferida pelo cânone do verossímil, porque ninguém acredita que um mortal funde, acima das nuvens, uma cidade imaginária, como sucede em Os pássaros. Os entrechos inventados por Aristófanes, contudo, servem muito bem às teses que ele advoga. É curioso observar, por outro lado, que acontecimentos verdadeiros, saídos da realidade, tornam-se inverossímeis, ao serem transpostos para uma peça. O autor não conseguiu insuflar-lhes credibilidade. O texto deve, portanto, chegar à convicção artística, diversa da simples realidade, e cujo aproveitamento literal define apenas a reportagem.

Quando uma obra tem garra, não se pergunta se os seus antecedentes ou o seu entrecho são ou não verossímeis. Só mais tarde, numa análise fria do espetáculo, cabem certas indagações, e entre elas, por exemplo, se os pressupostos da história de Édipo seriam possíveis. As dúvidas sobre a veracidade real da situação tratada por Sófocles não são absurdas, e obedecem antes a lógica irrepreensível. Sem contar a fatalidade que já o marcou, no nascimento, como Édipo poderia desconhecer o modo pelo qual morreu o antigo rei de Tebas, seu antecessor, e deixar de concluir que foi. seu assassino? Essa objeção, levantada num esmiuçamento posterior, não invalida o alcance da tragédia. Gouhier explica muito bem ·0 motivo da eficácia de Édipo-Rei, independentemente desse problema: "o que produz a arte do dramaturgo não é uma impressão de verossimilhança, mas esse sentimento de presença que, justamente, dispensa de situar a questão da verossimilhança" (obra citada, p. 47). Desagrada nas peças fracas a falta de credibilidade (não de verossimilhança), que anula o efeito da presença em cena. E, desde que tenha vida no palco, o texto preenche o seu objetivo primordial.

 

 

MAGALDI, Sábato. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 2008. Pág. 15-23.

2. O texto - Elabore um texto reflexivo sobre a função do texto na perspectiva do teatro dramático.

texto 2...

ita natali | 24/06/2012

Penso que o texto seja simplesmente uma coordenação entre o sucesso do espetáculo ,visando principalmente a coerência entre começo ,meio e fim do texto para que o publico não saia com um sinal de interrogação do teatro , mas sim uma certeza de compreensão da historia apresentada pelo o dramaturgo ...........

Comentário sobre o texto " O texto"......rsrs

Sabine R. | 02/06/2012

Algumas situações me chamaram a atenção neste texto. O primeiro exemplo:

“Para que não se disperse a atenção do espectador e não se prejudique a organicidade do texto, concentram-se os conflitos num tempo e num lugar. Os conceitos mais ou menos restritivos dessas unidades fazem que a peça se passe num dia ou em meses e num só recinto ou na mesma cidade. Tudo são convenções e o texto, obra de ficção, observa-as ou se liberta delas, impondo-se pela própria capacidade de convencer.’

Como seria uma “própria capacidade de convencer”? Está ligada ao textocentrismo, ou aos recursos que já discutimos em aula, como fazendo parte indispensável do espetáculo?


Segundo exemplo:

“O texto deve ser escrito para a eficácia do espetáculo. Não admite apenas uma reação a posteriori, que o espectador sentiria ao voltar para casa. Meditam-se certos aspectos, sem dúvida, numa reflexão que sucede ao cair da cortina. O prazer estético sente-se, globalmente, no decorrer da representação, e não se consegue revivê-lo, mais tarde, se não se manifestou na presença do ator. O imediatismo do efeito teatral reclama da peça uma série de características.”

Quando o dramaturgo está compondo a peça, ele tem, de fato, essa meta? Essa responsabilidade de causar essa impressão a priori? Já criei diversos textos e nunca havia pensado nisso...

E por fim:

“Quando uma obra tem garra, não se pergunta se os seus antecedentes ou o seu entrecho são ou não verossímeis. Só mais tarde, numa análise fria do espetáculo, cabem certas indagações, e entre elas, por exemplo, se os pressupostos da história de Édipo seriam possíveis...”

Esse é sim um exemplo que fica mais claro para mim, o de não se importar muito com os porques dos por quês... Escrever é inspiração, há que se ter começo, meio e fim, entretanto, se tivermos que atar todas as amarras com respostas lógicas, será praticamente impossível compor a arte teatral...

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