Apocalipse 1, 11

APOCALIPSE 1, 11

Criação - Teatro da Vertigem

Dramaturgia - Fernando Bonassi

Concepção e direção geral - Antônio Araújo

 

Excertos retirados do roteiro que exemplificam o uso do site specific enquanto procedimento de criação dramatúrgica:

 

(...)

Chegada de João

 

(João entra vestido pobremente. Carrega numa das mãos uma mala de papelão e uma Bíblia e, na outra, um guia da cidade e alguns mapas. Sua aparência é de exaustão, acaba de chegar de uma longa viagem. Ele se insinua entre os espectadores, até o seu quarto. Entra. Trata-se de um lugar escuro, desolador, miserável, caótico e desconfortável.)

 

João e a Noiva

 

(João abre a porta. Tem diante de si a Noiva. Aqui ela se apresenta numa mistura de virgem/noiva e arrumadeira de hotel. Traz nas mãos mudas de roupa de cama e seu fatídico buquê de flor de laranjeira. Ela passa a arrumar o quarto.)

 

Noiva

 

Eu dou de comer a quem tem fome ... Eu dou de beber a quem tem sede ... Eu conforto os aflitos...

 

João

 

A senhora ... A senhorita ... já ouviu falar (Aproxima-se com mapas e Bíblia nas mãos.) Eu tô procurando ... Nova Jerusalém.

 

(A Noiva reage parando a arrumação. Ela aproxima-se de João.)

 

João

 

Você sabe onde é Nova Jerusalém?

 

(A Noiva pega João pela mão e leva-o até diante da imagem de Cristo, numa simulação de casamento.)

 

Noiva

 

Eu dou de comer a quem tem fome ... Eu dou de beber a quem tem sede... Eu conforto os aflitos ...

 

João

 

A Cidade Santa... Está cercada por uma muralha ... Tem doze portas ... É, doze portas, e sobre as portas tem doze anjos ... e os nomes escritos ...

 

(A Noiva pega João pela mão, dança e senta-o na cama.)

 

João

 

Ali já não haverá mais noite ... Ninguém mais precisará da luz da lâmpada, nem da luz do sol. .. porque o clarão de Deus brilhará sobre eles ...

 

(A Noiva toca João. Ele reage incomodado e aflito.)

 

Noiva

Eu dou de comer a quem tem fome ... Eu dou de beber a quem tem sede... Eu conforto os aflitos ...

 

João (Sem jeito.)

 

Olha... acho que a senhora não tá entendendo ... Eu ... eu tô procurando mesmo esse lugar, sabe ...

 

Noiva

 

Eu dou de comer a quem tem fome ... Eu dou de beber a quem tem sede ... Eu conforto os aflitos ...

 

(A Noiva despe-se e faz "poses sacras" para João.)

 

Noiva

 

Eu dou de comer a quem tem fome ... Eu dou de beber a quem tem sede ... Eu conforto os aflitos ...

 

João (Irado.)

 

 Não. Chega. Para com isso! Meu coração já tem dono ...

 

(João abre a porta, desviando o olhar da Noiva. Ela recolhe seus próprios pertences e sai.)

 

 

(...)

(O Anjo Poderoso faz um sinal para os Anjos Rebeldes. Eles arrastam João para a privada e soltam-no no chão.)

 

Anjos Rebeldes (Juntos.)

 

Santo, santo, santo, senhor, Deus todo- poderoso. Aquele que era, aquele que é, aquele que vem ...

 

Anjo Poderoso (Aos céus.)

Até quando, ó Senhor, santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra? Eu cansei de esperar esse maldito fim do mundo! (Gritando, para João.) João!!! (Para si.) Merda!!!

 

(O Anjo Poderoso pega João pelo colarinho e ergue a tampa da privada.)

 

Anjo Poderoso

 

(Agressivo, mergulhando a cabeça de João na privada.) Aquele que é, aquele que era, aquele que vem ... Ele, a testemunha fiel, o primogênito dos mortos, o príncipe dos reis da terra! Aquele que nos ama e nos lavou de nossos pecados com seu sangue... Eis que ele vem com as nuvens pra julgar os vivos e os mortos. A gente vai botar pra foder! Todos os olhos o verão! É! Até mesmo os que o transpassaram, e todas as tribos da terra baterão no peito por causa dele, tá entendendo?! Chega de injustiça! A coisa vai pegar! Ou vai, ou racha! Oh! Feliz aquele que ouvir estas palavras, pois o tempo está próximo ...

 

(O Anjo Poderoso ergue João, que está roxo, sem fôlego. Um dos Anjos Rebeldes prepara o cachimbo de crack.)

 

(...)