Ação

 

1. Níveis de Formalização da Ação

Ação visível e invisível

Sequência de acontecimentos cênicos essencialmente produzidos em função do comportamento das personagens, a ação é, ao mesmo tempo, concretamente, o conjunto dos processos * de transformações visíveis em cena e, no nível das personagens*, o que caracteriza suas modificações psicológicas ou morais.

 

Definição tradicional

A definição tradicional da ação (“sequência de fatos e atos que constituem o assunto de uma obra dramática ou narrativa", dicionário Robert) é puramente tautológica, visto que se contenta em substituir "ação" por atos e fatos, sem indicar o que constitui esses atos e fatos e como eles são organizados no texto dramático ou no palco. Dizer, com ARISTÓTELES, que a fábula é "a junção das ações realizadas" (1450a) ainda não explica a natureza e a estrutura da ação; trata-se, em seguida, de mostrar como, no teatro, esta "junção das ações" é estruturada, como se articula a fábula e a partir de que índices pode-se reconstituí-la.

 

Definição semiológica

Reconstitui-se primeiro o modelo actancial* num determinado ponto da peça estabelecendo o vínculo entre as ações das personagens, determinando o sujeito e o objeto da ação, assim como os oponentes e adjuvantes, quando este esquema é modificado e os actantes* assumem novo valor e nova posição dentro do universo dramatúrgico. O motor da ação pode, por exemplo, passar de uma para outra personagem, o objeto perseguido pode ser eliminado ou assumir uma outra forma, modificar-se a estratégia dos oponentes/adjuvantes. A ação se produz desde que um dos actantes tome a iniciativa de uma mudança de posição dentro da configuração actancial", alterando assim o equilíbrio das forças do drama. A ação' é portanto o elemento transformador e dinâmico que permite passar lógica e temporalmente de uma para outra situação*. Ela é a sequência lógico-temporal das diferentes situações. As análises da narrativa* se combinam para articular toda história em redor do eixo desequilíbrio/equilíbrio ou transgressão/mediação, potencialidade/realização (não realização). A passagem de um a outro estádio, de uma situação de partida a uma situação de chegada descreve exatamente o percurso de toda ação. ARISTÓTELES não estava dizendo outra coisa quando decompunha todafábula* em início, meio e fim (Poética, 1450b).

 

2. Modelo Actancial, Ação e Intriga

a. Para dissociar ação de intriga * , é indispensável recolocar as duas noções no interior do modelo actancial e situá-las em diferentes níveis de manifestação (estrutura profunda e estrutura superficial). O quadro abaixo se lê de cima a baixo como a passagem da estrutura profunda (que só existe no nível teórico de um modelo reconstituído) à estrutura superficial (ou de "superfície", que é a do discurso do texto e das sequências de episódios da intriga); logo, da ação naquilo que ela tem de cênica e narrativamente perceptível.

 

b. A ação situa-se num nível relativamente profundo visto que ela se compõe de figuras muito gerais das transformações actanciais antes mesmo de deixar adivinhar, no nível real da fábula, a composição detalhada dos episódios narrativos que formam a intriga *. A ação pode ser resumida num código geral e abstrato. Ela se cristaliza, em certos casos, numa fórmula assaz lapidar (BARTHES, 1963, ao dar a "fórmula" das tragédias racinianas). A intriga é perceptível no nível superficial (o da performance) da mensagem individual. Poder-se-ia distinguir assim a ação de Don Juan em suas diferentes fontes literárias, ação que reduziríamos a um pequeno número de sequências narrativas fundamentais. Em contrapartida, se analisarmos cada versão, é preciso levar em conta episódios e aventuras particulares do herói, enumerar cuidadosamente as sequências de motivos*: trata-se aí de um estudo da intriga. H. GOUHIER propõe uma distinção análoga entre ação e intriga quando opõe a ação esquemática, espécie de essência ou fórmula concentrada da ação, à ação que assume uma duração ou ação encarnada no nível da existência: "A ação esboça acontecimentos e situações; a partir do momento que ela começa a se alongar, põe em movimento um jogo de imagens que já conta uma história e que por aí se coloca no nível da existência" (1958: 76).

 

c. A diferença entre ação e intriga corresponde à oposição entre a fábula* (sentido l.a.) como matéria e história contada, lógica temporal e causal do sistema actancial, e a fábula (sentido l.b.) como estrutura da narrativa e discurso contante, sequência concreta de discurso e de peripécias; assunto no sentido de TOMASCHÉVSKI (1965), a saber, como disposição real dos acontecimentos na narrativa.

Nível 3

Estrutura superficial

(manifesta)

Sistema das personagens

I

V

Atores

I

V

Intriga

I

V

Nível2

Estrutura discursiva

(nível figurativo)

Modelo actancial

I

V

Actantes

I

V

Ação

I

V

Nível 1

Estrutura profunda

Estrutura narrativa

Estruturas elementares da significação (quadrado semiótico de Greimas, 1970)

Operadores lógicos

Modelos lógicos da ação

 

3. Ação das Personagens

Desde ARISTÓTELES, está aberta a discussão sobre a primazia de um dos termos do par ação-caracteres. É natural que um determine o outro e reciprocamente, mas as opiniões divergem sobre o termo maior e a contradição.

Concepção existencial

A ação vem primeiro. "As personagens não agem para imitar os caracteres, mas recebem seus caracteres por acréscimo e em razão de suas ações [ ... ] sem ação não pode haver tragédia, mas pode havê-la sem caráter" (Poética, 1540a). A ação é considerada como o motor da fábula, definindo-se as personagens somente por tabela. A análise da narrativa ou do drama esforça-se para distinguir esferas de ações (PROPP, 1965), sequências mínimas de atos, actantes que se definem por seu lugar no modelo actancial (SOURIAU, 1950; GREIMAS, 1966), situações (SOURIAU, 1950; JANSEN, 1968; SARTRE, 1973). Estas teorias têm em comum uma certa desconfiança em relação à análise psicológica dos caracteres e uma vontade de só julgar estes últimos com base em suas ações concretas. SARTRE resume bastante bem esta atitude: "Uma peça é lançar pessoas numa empreitada; não há necessidade de psicologia. Em contrapartida, há necessidade de delimitar muito exatamente que posição, que situação pode assumir cada personagem, em função das causas e contradições anteriores que a produziram com relação à ação principal" (1973: 143).

Concepção essencialista

Inversamente, uma filosofia levada a julgar o homem por sua essência e não por suas ações e sua situação começa por analisar, muitas vezes de maneira finíssima, os caracteres, define-os de acordo com uma consistência e uma essência psicológica ou moral além das ações concretas da intriga; ela só se interessa pela personificação da "avareza", da "paixão", do "desejo absoluto". As personagens só existem como lista de emplois morais ou psicológicos; elas coincidem totalmente com seus discursos, contradições e conflitos*. Tudo se passa como se sua ação fosse a consequência e a exteriorização de sua vontade e de seu caráter.

 

4. Dinâmica da Ação

A ação está ligada, pelo menos para o teatro dramático* (forma fechada * ), ao surgimento e à resolução das contradições e conflitos entre as personagens e entre uma personagem e uma situação. É o desequilíbrio de um conflito que força a(s) personagem(s) a agirem para resolver a contradição; porém sua ação (sua reação) trará outros conflitos e contradições. Esta dinâmica incessante cria o movimento da peça. Entretanto, a ação não é necessariamente expressa e manifesta no nível da intriga; às vezes ela é sensível na transformação da consciência dos protagonistas, transformação que não tem outro barômetro que não os discursos (drama clássico). Falar, no teatro ainda mais que na realidade cotidiana, sempre é agir (ver ação falada*).

 

5. Ação e Discurso

O discurso é um modo de fazer. Em virtude de uma convenção implícita, o discurso teatral é sempre maneira de agir, mesmo segundo as mais clássicas normas dramatúrgicas. Para D' AUBIGNAC, os discursos no teatro "[ ... ] devem ser como ações daqueles que neles fazemos aparecer; pois aí falar é agir" (Pratique du Théâtre, livro IV, cap. 2). Quando Harmlet diz: "Estou partindo para a Inglaterra", deve-se já imaginá-lo a caminho. O discurso cênico foi muitas vezes considerado como o local de uma presença* e de uma ação verbal. "No princípio era o Verbo [ ... ] no princípio era a Ação. Mas que é um Verbo? No princípio era o Verbo ativo" (GOUHIER, 1958: 63). Outras formas de ação verbal, como as performáticas, o jogo dos pressupostos, o emprego dos dêiticos estão em ação no texto dramático (PAVIS, 1978a). Mais que nunca, elas tomam problemática a separação entre a ação visível no palco e o "trabalho" do texto: "Falar é fazer, o logos assume as funções da práxis e a substitui" (BARTHES, 1963: 66). O teatro se toma um local de simulação onde o espectador é encarregado, por uma convenção tácita com o autor e o ator, de imaginar os atos performáticos num palco que não o da realidade (cf pragmática*).

 

6. Elementos Constitutivos da Ação

ELAM (1980: 121) distingue, na sequência dos trabalhos da filosofia da ação (VAN DIJK, 1976), seis elementos constitutivos da ação: "O agente, sua intenção, o ato ou o tipo de ato, a modalidade da ação (a maneira e os meios), a disposição (temporal, espacial e circunstancial) e a finalidade". Estes elementos definem qualquer tipo de ação, pelo menos de ação consciente e não acidental. Identificando estes elementos, precisar-se-á a natureza e a função da ação no teatro.

 

7. Formas da Ação

a. Ação ascendente/ação descendente

Até a crise* e sua resolução na catástrofe*, a ação é ascendente. O encadeamento dos acontecimentos se faz cada vez mais rápido e necessário à medida que nos aproximamos da conclusão. A ação descendente é reunida em algumas cenas, até mesmo alguns versos no fim da peça (paroxismo*).

 

b. Ação representada/ação contada

A ação é dada diretamente a ver ou é transmitida num texto. No segundo caso, ela própria é modalizada" pela ação e pela situação do recitante.

 

c. Ação interior/ação exterior

A ação é mediatizada e interiorizada pela personagem ou, ao contrário, recebida do exterior por esta.

 

d. Ação principal/ação secundária

A primeira tem seu eixo na progressão do ou dos protagonistas; a segunda é enxertada na primeira como intriga complementar sem importância primordial para a fábula geral. A dramaturgia clássica, ao exigir a unidade de ação, tende a limitar a ação à ação principal.

 

e. Ação coletiva/ação privada

O texto, principalmente nos dramas históricos, muitas vezes apresenta em paralelo o destino individual dos heróis e este, geral ou simbólico, de um grupo ou de um povo.

 

f. Ação da forma fechada*/ação privada

 (Ver nestes termos.)

 

8. A Ação Teatral numa Teoria da Linguagem e da Ação Humana

 

a. Os autores da ação

Entre os inúmeros sentidos da ação teatral, foi possível, no que antecede, conduzir a ação a três ramos essenciais:

- a ação da fábula* ou ação representada: tudo o que se passa no interior da ficção, tudo o que fazem as personagens;

- a ação do dramaturgo e do encenador: estes enunciam o texto através da encenação, procedem de modo a que as personagens façam esta ou aquela coisa;

- a ação verbal das personagens que dizem o texto, contribuindo assim para assumir a ficção e a responsabilidade delas.

 

b. Vínculo da ação da fábula e da ação falada das personagens

Parece útil distinguir dois tipos de ação, no teatro: a ação global da fábula, que é uma ação como ela se dá a ler na fábula, e a ação falada das personagens, que se realiza em cada uma das enunciações (ou réplicas*) da personagem. A ação enquanto fábula forma a armação narrativa do texto ou da representação. Ela é passível de ser lida e, portanto, reconstituída de diversas maneiras pelos práticos que encenam a peça, mas conserva sempre sua estrutura narrativa global, no interior da qual se inscrevem as enunciações (ações faladas) das personagens. Pode acontecer que esta distinção tenda a apagar-se, quando as personagens não têm mais nenhum projeto de ação e se contentam em substituir toda ação visível por uma história de sua enunciação ou de sua dificuldade em se comunicar: é o caso em BECKETT (Fim de Jogo, Esperando Godot), HANDKE (Kaspar) ou PINGET. Este já era mesmo o caso em certas comédias de MARIVAUX (Os Juramentos Indiscretos), onde os locutores não falam mais em direção a um fim ou de acordo com uma fábula e fazem constante referência a sua maneira de falar e à dificuldade de comunicação.

 

 

Fonte:

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999. Pág. 2-5