Cenário

 

Aquilo que, no palco, figura o quadro ou moldura da ação através de meios pictóricos, plásticos e arquitetônicos etc.

 

1. Cenário ou Cenografia?

A própria origem do termo (em francês, décor: pintura, ornamentação, embelezamento) indica, suficientemente, a concepção mimética e pictórica da infraestrutura decorativa. Na consciência ingênua, o cenário é um telão de fundo, em geral em perspectiva e ilusionista, que insere o espaço cênico num determinado meio*. Ora, isto é apenas uma estética particular - a do naturalismo* do século XIX - e uma opção artística muito estreita. Daí resultam as tentativas dos críticos de superar este termo e substituí-lo por cenografia *, plástica, dispositivo cênico", área de atuação* ou objeto * cênico etc. Com efeito, "tudo se passa como se a arte do cenário não tivesse evoluído desde o final do século XIX. Continua-se a aplicar-lhe o mesmo vocabulário descritivo, a julgá-lo em relação a conceitos estéticos precisos que não levam em conta nem seu objetivo, nem sua função [ ... ] O cenário, como o concebemos hoje, deve ser útil, eficaz, funcional. É mais uma ferramenta do que uma imagem, um instrumento e não um ornamento" (BABLET, 1960:123).

 

2. Cenário como Ilustração

A manutenção do nome e da prática do cenário não é, evidentemente, inocente. Durante muito tempo a encenação limitou o seu campo de ação a uma visualização e ilustração do texto, supondo ingenuamente que lhe cabia tomar evidente e redundante o que o texto sugeria. ZOLA sugere, sintomaticamente, que a decoração não passa de uma "descrição contínua que pode ser muito mais exata e atraente que a descrição realizada pelo romance" (1881). Portanto, não é de se surpreender que a cena se submeta totalmente a ele, ou, ao contrário, no momento em que se põe a experimentar, como COPEAU, desdenhe o cenário, como reação à ilustração realista. "Simbolista ou realista, sintético ou anedótico, o cenário é sempre um cenário: uma ilustração. Esta ilustração não interessa diretamente à ação dramática, que, por si só, determina a forma arquitetônica da cena" (citado em JEAN, 1976: 126).

 

3. Explosão Atual do Cenário

Desde o início do século - de forma consciente e sistemática nos últimos vinte ou trinta anos - faz-se sentir uma sadia reação no campo da plástica cênica. O cenário não apenas se liberta de sua função mimética, como também assume o espetáculo inteiro, tomando-se seu motor interno. Ele ocupa a totalidade do espaço, tanto por sua tridimensionalidade quanto pelos vazios significantes que sabe criar no espaço cênico. O cenário se toma maleável (importância da iluminação*), expansível e co-extensivo à interpretação do ator e à recepção do público. Em contraponto, todas as técnicas de jogo fragmentado, simultâneo, nada mais são do que a aplicação dos novos princípios cenográficos: escolha de uma forma ou de um material básico, busca de um tom rítmico ou de um princípio estruturante, interpenetração visual dos materiais humanos e plásticos.

 

4. O Não-Cenário como Cenário

A estética do teatro pobre (GROTOWSKI, BROOK) e o desejo de abstração por vezes conduzem o encenador a eliminar totalmente o cenário, na medida em que isto for possível, visto que o palco, mesmo vazio, parece estar sempre "aprestado" e "esteticamente desnudo". Assim sendo, tudo significa por ausência: ausência do trono para o rei, de figuração para o palácio, do lugar exato para o mito. O cenário é perceptível apenas no "cenário verbal?" ou na gestualidade dos atores, na sua forma de mimar ou de simplesmente indicar o elemento decorativo invisível. Na atualidade, prefere-se falar em dispositivo cênico*, máquina teatral* ou objeto * cênico, que têm a vantagem de não limitar o cenário por meio de uma camisa-de-força que aprisiona a representação, mas fazem da cena, em contrapartida, o lugar de uma prática e de uma retórica, graças ao trabalho do diretor.

 

5. Funções Dramatúrgicas do Cenário

Ao invés de enumerar os tipos e as formas de cenário desde a Antiguidade até nossos dias, distinguir-se-á, para organizar a infinita variedade das realizações, um número limitado de funções dramatúrgicas da cenografia:

 

a. Ilustração e figuração de elementos que se supõe existentes no universo dramático: o cenógrafo escolhe alguns objetos e lugares sugeridos pelo texto: ele "atualiza" - ou, antes, dá a ilusão de mostrar mimeticamente o quadro do universo dramático. Esta figuração é sempre uma estilização e uma escolha pertinente de signos, porém varia de uma abordagem naturalista (em que a decoração é "uma descrição contínua que pode ser muito mais exata e impressionante do que a descrição realizada pelo romance" (ZOLA), até uma simples evocação mediante alguns traços pertinentes (um elemento do templo ou do palácio, um trono, a evocação de dois espaços).

 

b. Construção e modificação sem restrições do palco, considerado como máquina de representar: o cenário não mais pretende transmitir uma representação mimética; ele é apenas um conjunto de planos, passarelas, construções que dão aos atores uma plataforma para suas evoluções. Os atores constroem os lugares e os momentos da ação a partir de seu espaço gestual (Exemplos: cenário construtivista, tablados*, dispositivos cênicos* do TNP de 1. VILAR).

 

c. Subjetivação do palco, que é decomposto não mais em função de linhas e massas, mas, sim, de cores, luzes, impressões de realidade que jogam com a sugestão de uma atmosfera onírica ou fantasiosa do palco e de sua relação com o público.

 

Fonte:

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999. Pág. 42-4