Espetáculo

 

 É espetáculo tudo o que se oferece ao olhar. "O espetáculo é a categoria universal sob as espécies pela qual o mundo é visto" (BARTHES, 1975: 179). Este termo genérico aplica-se à parte visível da peça (representação), a todas as formas de artes da representação (dança, ópera, cinema, mímica, circo etc.) e a outras atividades que implicam uma participação do público (esportes, ritos, cultos, interações sociais), em suma, a todas as cultural performances das quais se ocupa a etnocenologia*.

 

1. O Espetáculo Supérfluo

Em dramaturgia clássica, espetáculo equivale a encenação*, termo então inexistente. Fala-se, no século XIX, de uma peça de grande espetáculo quando a representação desvenda uma significação sempre pejorativa, em face da profundidade e da permanência do texto. ARISTÓTELES o repertoria em sua Poética como uma das seis partes da tragédia, mas é para reduzir sua importância diante da ação e do conteúdo: "O espetáculo, ainda que de natureza a seduzir o público, é tudo o que há de alheio à arte e pelo menos próprio da poética" (1450b). Continuar-se-á durante muito tempo a reprovar (assim MARMONTEL, 1787) seu caráter exterior, material, próprio a divertir em vez de educar; sempre se desconfia um pouco dele: o Espetáculo numa Poltrona (MUSSET, 1832), ou o Teatro em Liberdade (HUGO, 1886), peças criadas como que por reação à encenação, não correm o risco de impor uma encenação demasiado vistosa e "infiel" ao texto escrito. Na concepção clássica, ninguém se opôs, todavia, por princípio, ao espetáculo. D' AUBIGNAC (1657) sublinha o interesse do espetáculo para a representação, outros porém separam categoricamente texto e espetáculo, em vez de ser sensível à sua interdependência.

 

2. (Re )conquista do Espetáculo

Com a emergência da encenação e a conscientização de sua importância para a compreensão da peça, o espetáculo reencontra direito de cidadão.

Com A. ARTAUD, ele passa a ser o cerne da representação, e encontram-se neste teórico os dois empregos, pejorativo e laudatório, da palavra:

• "A representação chamada impropriamente de espetáculo, com tudo o que esta denominação traz de pejorativo, de acessório, de efêmero e de exterior" (1964b: 160).

• "Esperamos basear o teatro, antes de tudo, no espetáculo, e no espetáculo introduzimos uma nova noção de espaço usado em todos os planos possíveis e em todos os graus da perspectiva em profundidade e em altura, e a esta ideia virá juntar-se uma noção de tempo acrescida daquela de movimento" (1964b: 188).

 

3. Razões da Preferência do "Espetáculo"

O frequente emprego de espetáculo (principalmente no lugar de peça*) não se explica somente por um fenômeno de moda, mas por razões mais profundas e reveladoras de nossa concepção atual da atividade teatral.

• Tudo é significativo: texto, cena e local do teatro e da sala. O espetáculo não se isola mais numa área cênica: ele invade a sala e a cidade, ultrapassa seu quadro".

• Todos os meios são bons para a colocação em teatro: discurso, atuação, recursos técnicos novos. O teatro abandona sua exigência de forma para apoderar-se de todos os meios de expressão que possam servi-lo.

• Não se procura mais produzir uma ilusão mascarando-se os processos de sua fabricação; integra-se este processo à representação, sublinhando o aspecto sensível e sensual do jogo teatral, sem preocupar-se com a significação.

 

4. Que Teoria do Espetáculo?

Uma teoria geral do ou dos espetáculos parece no mínimo prematura, primeiro porque a fronteira entre espetáculo e realidade não é facilmente traçável. Tudo é espetacularizável? Sim, se se trata de fazer disso o objeto de uma ostensão" e de uma observação; não, se este objeto deve ser também espetacular, deve causar espanto e fascinar um observador. Pelo menos se chega a uma definição mínima e puramente teórica do espetáculo: "A definição do espetáculo compreende então, ao menos do ponto de vista interno, características como a presença de um espaço tridimensional fechado, a distribuição proxêmica etc., enquanto, do ponto de vista externo, ela implica a presença de um actante observador (o que exclui desta definição as cerimônias, os rituais míticos, por exemplo, onde a presença do espectador não é necessária)" (GREIMAS e COURTES, 1979: 393).

Que práticas poderiam ser classificadas como "espetaculares"? O teatro, o cinema, a televisão, mas também o strip-tease, os espetáculos de rua, e, por que não, também os jogos eróticos e as cenas domésticas, a partir do momento em que eles têm um observador voluntário ou acidental. O termo performance e cultural performance falha cruelmente em francês [e em português, também] para designar o conjunto dessas práticas ou comportamentos espetaculares pelos quais se interessa atualmente a etnocenologia*.

Uma tipologia dos espetáculos também é arriscada. Pode-se pelo menos distinguir grandes clivagens: as artes da representação" que se opõem às artes da cena*.

Ou então, conforme o estatuto ficcional:

- arte da ficção (ex.: teatro, cinema não-documentário, mímica etc.);

- arte não-ficcional (ex.: circo, touradas, esportes etc.): estas artes não procuram criar uma realidade diferente da nossa realidade de referência, mas realizam uma performance baseada na destreza, na força ou na habilidade.

 

5. "Cultural Performance"

Falta à língua francesa [e à portuguesa] uma palavra para traduzir a noção muito genérica, que ultrapassa em muito o teatro, de performance, que às vezes é expressa, na falta de termo melhor, por espetáculo, palavra que tende a designar toda manifestação visual do sentido ("espetáculo do mundo"). Contudo, a performance cobre um imenso campo que as artes do espetáculo e a etnocenologia* se esforçam em esquadrinhar e que põe em questão a fronteira entre espetáculo estético e prática cultural: "A performance [logo, a prática espetacular e/ou cultural] não é mais fácil de definir ou de localizar. O conceito e a estrutura se estenderam por toda parte. Ela é étnica ou intercultural, histórica e não-histórica, estética e ritual, sociológica e política. A performance é um modo de comportamento, uma abordagem da experiência concreta; ela é jogo, esporte, estética, divertimentos populares, teatro experimental, e mais ainda" (TURNER, 1982). A noção de cultural performance, elaborada pelo etnólogo Milton SINGER nos anos cinquenta, permite agrupar sob este rótulo práticas culturais (ritos, festas, cerimônias, danças etc.) que compreendem elementos de representação que o grupo se dá a si mesmo.

 

Fonte:

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999. Pág. 141-3