1. Conceito de Teatro

 

A palavra teatro abrange ao menos duas acepções fundamentais: o imóvel em que se realizam espetáculos e uma arte específica, transmitida ao público por intermédio do ator. O significado primeiro, na linguagem corrente, liga-se à ideia de edifício, um edifício de características especiais, dotado basicamente de plateia e palco. Quando se diz: "Vamos ao teatro" - pensa-se de imediato na saída de casa para assistir, num recinto próprio, a uma representação, feita por atores, bailarinos ou mimos. Teatro implica a presença física de um artista, que se exibe para uma audiência. O cinema já subentende a imagem, substituindo a figura humana real. No teatro, público e ator estão um em face do outro, durante o desenrolar do espetáculo.

 

Origem etimológica - A etimologia grega de teatro dá ao vocábulo o sentido de miradouro, lugar de onde se vê. O edifício autônomo, de fins idênticos àquele que se chama hoje teatro, se denominava odeion, auditório. Na terminologia dos logradouros cênicos da Grécia, teatron correspondia à plateia, anteposta à orquestra e envolvendo-a como três lados de um trapézio ou um semicírculo. Não se dissocia da palavra teatro a ideia de visão. Ler teatro, ou melhor, literatura dramática, não abarca todo o fenômeno compreendido por essa arte. É nele indispensável que o público veja algo, no caso o ator, que define a especificidade do teatro. A contemplação do bailarino caracteriza o espetáculo do bailado e a do cantor ou músicos, aspectos da arte musical. A lembrança da etimologia de teatro tem por fim não apenas a busca de seu conceito, mas também o esclarecimento de um
dado inicial, cuja omissão vem originando diversos equívocos, entre os quais, sobretudo, o da precedência da arte literária, com prejuízo do conjunto do espetáculo.

 

A tríade essencial - No teatro dramático ou declamado, objeto deste ensaio (há os gêneros da comédia musical e da revista, por exemplo), são essenciais três elementos: o ator, o texto e o público. O fenômeno teatral não se processa, sem a conjugação dessa tríade. É preciso que um ator interprete um texto para o público, ou, se se quiser alterar a ordem, em função da raiz etimológica, o teatro existe quando o público vê e ouve o ator interpretar um texto. Reduzindo-se o teatro à sua elementaridade, não são necessários mais que esses fatores. As reformas dos puristas, preocupados em suprimir o gigantismo espetacular ou as contrafações de qualquer natureza, visam sempre a devolver o teatro aos seus dados essenciais. Sem a interpretação de um texto, o ator
se encaminhará para a mímica. A ausência do ator costuma ser suprida, na leitura, pela imaginação, que visualiza as rubricas e inscreve os movimentos num cenário ideal. Esse pluralismo na composição do teatro acarreta mesmo as idiossincrasias particulares. Muitas pessoas preferem ler as peças, para que o prazer estético não
fique sujeito à deformação de um mau desempenho ou ao condicionamento inartístico dos intervalos. Acham esses cultores do solipsismo que nenhuma realização material corresponde à liberdade criadora da própria mente. Os espectadores natos, porém, atrapalham-se com as indicações do diálogo escrito, e não são capazes de armar
a contento uma montagem imaginária. Eles estão mais próximos do teatro, definem-se em verdade como parte dele. Sem dúvida, os amantes de teatro não podem prescindir da leitura: as representações, até nos centros artísticos mais desenvolvidos, cobrem apenas uma parcela da dramaturgia, e aqueles que se contentarem com elas deixarão de usufruir um imenso acervo literário. A leitura traz um enriquecimento artístico e cultural, mas não chega a construir o fenômeno do teatro. Muitas vezes se é obrigado a permanecer nela porque a curta duração da vida exige que se substituam experiências completas por resumos ou simulacros. Conceber um quadro abstrato em que o ator represente para a sala vazia, realizando-se no prazer solitário, talvez a maior contrafação da ideia de teatro.

 

Síntese - A presença física do ator, além de definir a especificidade do teatro, importa na colaboração de várias outras artes. Antes de mais nada, cabe observar que ela supõe um espaço concreto, no qual se processam os deslocamentos do intérprete. Sobre o palco, a arena ou um simples estrado ergue-se o  cenário , que sugere o ambiente propício à  ação . O cenário vale-se de elementos oriundos de duas outras artes: a arquitetura e a pintura. A criação de espaço para os movimentos do ator requer o concurso de dispositivos arquitetônicos, distribuídos segundo uma unidade estética própria e os requisitos funcionais. A pintura, que, antes da corrente construtivista, continha o princípio da decoração do palco, fornece também elementos importantes à cenografia. A descoberta da luz elétrica, aplicada ao teatro a partir de fins do século passado, alterou fundamentalmente o conceito de cenário. Pode-se afirmar hoje em dia que existe uma arte da iluminação, apoio valioso para o melhor rendimento do espetáculo. O palco recorre à arte do mobiliário, eventualmente à escultura, etc. E a necessidade de que as personagens se completem com figurinos adequados, modernos ou históricos, impõe o concurso da arte da indumentária. O ator comunica-se com o público por meio da palavra, instrumento da arte literária. Embora alguns teóricos desejem menosprezar a importância da palavra na realização do fenômeno teatral autêntico, sua presença não se separa do conceito do gênero declamado. Para o ator, entretanto, a palavra é um veículo que lhe permite atingir o público, mas não se reduz a ela a interpretação. Sabe-se que o silêncio, às vezes, é muito mais eloquente do que frases inteiras. A mímica ou um gesto substitui com vantagem determinada palavra, de acordo com a situação. Postura, olhar, movimentos tudo compõe a expressão corporal, que participa da eficácia do desempenho. Por isso se convencionou chamar de interpretação à arte do ator, que reclama tantos recursos expressivos. O teatro não sente pejo de recorrer a elementos musicais, para que uma cena alcance plenitude. Num exemplo corriqueiro, pode o ator, sozinho no palco, ligar uma vitrola, para que a música povoe a solidão. Ou um diálogo tem a sublinhá-lo um fundo sonoro, que filtra o derramamento amoroso. A música, se bem aproveitada, não se reduz ao papel de acompanhamento, mas pode integrar-se na expressão dramática. O cinema e a TV, desde a sua invenção rotulados como concorrentes e inimigos do teatro, prestam-se também a figurar entre os elementos do espetáculo. Não se põe em dúvida a adaptabilidade da arte dramática para a tela e para o vídeo. Exige-se apenas que a transposição observe as regras da nova linguagem. Peças inteiras são também filmadas ou televisionadas, sem o abandono dos métodos teatrais, não obstante o veículo diferente estivesse a reclamar uma recriação completa nos seus meios. Quanto ao teatro, discute-se a legitimidade da projeção de cenas e do funcionamento de um aparelho de TV no quadro do espetáculo. Piscator (1893-1966) não hesitou em aproveitar películas nas montagens do teatro político, sobretudo na década de vinte, para trazer maior soma de argumentos
panfletários à convicção do espectador. Jean-Louis Barrault(1910- ) visualizou, através da câmara, o sonho do protagonista de Le livre de Christophe Colomb, de Paul Claudel (1868-1955). Seria essa uma incorporação espúria de outra arte ao terreno do teatro? Desde que justificada e propiciando efeito estético, inatingível de outra forma com a mesma economia, a projeção cinematográfica ou a TV não têm por que serem banidas do teatro. Ambas, como tantas outras artes, estão capacitadas a fornecer elementos ao espetáculo. Cumpre ao teatro absorver o que lhe seja útil.

A multiplicidade de fatores artísticos conduz à síntese teatral. Arte impura, por certo, captando aqui e ali todos os instrumentos capazes de produzir o maior impacto no espectador. A riqueza em sua composição torna o teatro uma das artes mais sedutoras, que alcança o público pela síntese ou pelo agrado superior de um ou outro elemento. Certos espetáculos obtêm êxito pela harmonia total da realização. Outros, apenas pelo interesse do texto, ou ainda pelo mérito do desempenho. Cenários ou figurinos excepcionais constituem, às vezes, o principal atrativo. Há muitas maneiras, assim, para que o teatro cumpra o seu papel. Ele será tanto mais válido, artisticamente, quanto da melhor categoria for cada um dos elementos que o compõem e mais feliz a unidade final.

 

Coordenação – Como coordenar, porém, elementos dispersos tomados de diferentes artes? O autor, escrita a peça, pode considerar encerrada a sua tarefa, desobrigando-se de acompanhar o seu destino cênico. E os mortos estão impedidos mesmo de zelar pelo respeito à sua palavra original... O ator cuida, eventualmente, de reunir os vários aspectos da montagem, mas não é estranhável se essa preocupação entra em conflito com o trabalho interpretativo que lhe cabe. Afinal, ele não se vê representar e, para ver os colegas, precisa omitir as próprias marcações no palco. Será natural ponderar também que, deixado o espetáculo ao arbítrio de cada ator e dos responsáveis pela cenografia e pela indumentária, a desconexão pode comprometer o equilíbrio artístico. Em
abono dessa tese, lembre-se a disparidade das exegeses de um texto e dos resultados a perseguir. Como a obra de Moliêre (1622-1673) se classificava, tradicionalmente, no gênero cômico, todas as suas montagens procuravam o riso. Os estudos modernos passaram a ressaltar o vigor dramático subjacente aos diálogos de aparência ligeira, e as novas encenações refletiram essa maneira de ver. Muitos espectadores provavelmente se recordam da austeridade dramática de Le misanthrope, na versão de Jean-Louis Barrault, apresentada no Brasil em 1954. Outros intérpretes assinalarão no texto, futuramente, aspectos nos quais não se demoram hoje os estudiosos.

Para fundamentar-se a exigência de um espírito coordenador dos vários elementos do espetáculo, não é necessário abandonar o território do teatro. Recorra-se à análise pirandelliana, segundo a qual há uma verdade para cada criatura. Os objetos são passíveis desse ou daquele entendimento, segundo a visão particular do contemplador. Os indivíduos prestam-se aos mais contraditórios juízos, de acordo com a formação e o ângulo de quem os examina. No campo da exegese de textos, que, apesar dos esforços de objetividade, conserva inapelavelmente tantos resíduos subjetivos, os analistas podem chegar, por caminhos lógicos, a conclusões opostas. Daí o reclamo de uma visão unificadora, que amolde todos os ingredientes para o mesmo fim.

O reconhecimento dessa necessidade legitimou, no teatro, a figura do encenador. A ele incumbe pôr em cena uma peça, isto é, realizar o espetáculo. Sua importância cresce, se se considerar que, assim como o dramaturgo é o autor do texto, o encenador é o autor do espetáculo. Não se lhe pode recusar tal eminência, no fenômeno cênico. Uma peça resultará nesse ou naquele espetáculo, muitas vezes de remoto parentesco entre si, em função da arte do encenador. Principalmente agora, com a complexidade dos recursos aliciados pelo teatro, compete ao encenador construir a harmonia artística do espetáculo.

 

Soma de elementos? Aceitando-se que o teatro tome de empréstimo a outras artes os elementos que o compõem, a fim de proceder à síntese, cabe perguntar se ele não se caracteriza pela simples soma das conquistas realizadas fora de seu âmbito. A resposta afirmativa situaria o teatro como arte secundária, dependente das experiências levadas a cabo em outros campos.  Num primeiro exame, parece razoável que a literatura faça as suas pesquisas na poesia ou no romance, comunicando os resultados estéticos ao dramaturgo. O arquiteto e o pintor trabalhariam no seu terreno específico, para oferecer ao cenógrafo as soluções a que chegaram. Arranjo a posteriori das parcelas fornecidas por outras artes, o teatro se consideraria mera vulgarização delas, permanecendo em atraso e nunca almejando uma arrancada vanguardista. É certo que as artes puras se prestam com maior facilidade à experimentação. Arte coletiva, o teatro tende a evoluir com mais cautela, e não se deve esquecer que fala a numeroso público, evidentemente alheio aos requintes do apreciador individual. As implicações coletivas da arte dramática fazem-na mais tímida que a poesia ou as artes plásticas. Ela não se limita, contudo, a aproveitar as formas que lhe são transmitidas nos vários setores. Por isso se afirma que o teatro é uma síntese de elementos artísticos e não de artes. O cenário utiliza da arquitetura e da pintura alguns dados, mas não se contém numa ou noutra arte: forja a sua própria especificidade, e dentro dela se movimenta livremente, chegando a soluções inéditas. Nada impede que a cenografia seja mais avançada que as outras artes plásticas.

A literatura dramática, atuando em território traz a sua mensagem, que pode não ter sido cogitada ainda nas outras artes literárias. Eurípides (484-407/6 a.C.), Moliêre ou lbsen (1828-1906) estão na vanguarda de seu tempo, em relação a quaisquer sondagens artísticas. Um grande dramaturgo é patrimônio tanto do teatro quanto da literatura.

Daí não se justificar um certo complexo de inferioridade do teatro, em face de outras artes, aparentemente mais desenvolvidas neste século. Qualquer forma de expressão estagna, em certo momento, até receber um impulso inaudito, por meio do gênio. A simples circunstância de que a dramaturgia moderna conta com a figura de um Brecht (1898-1956) prova que o teatro está muito vivo, atento às mais sensíveis preocupações do tempo.

 

Espetáculo       - A síntese de elementos artísticos faz o espetáculo, e é em função dele que se deve pensar o teatro. Espetáculo teatral e teatro podem ser considerados sinônimos, e se confundem como expressão artística específica. Se a literatura dramática fica documentada em livro e os cenários e figurinos subsistem em fotografias e desenhos, o espetáculo é uma arte efêmera, que se realiza integralmente na sua duração. O preconceito da eternidade da arte, tão difundido, relega por isso o espetáculo a plano inferior, valorizando em contrapartida o texto, perenizado na história literária. Mas a situação especial do teatro já leva Aristóteles (384-322 a.C.) a considerar a duplicidade de peça e espetáculo. Apenas, o teórico da Poética não considera a primeira elemento do segundo, mas o espetáculo parte da tragédia. Para ele, como a tragédia é imitação de ações e a imitação se executa por atores, "o espetáculo cênico há de ser necessariamente uma das partes da tragédia, e depois a música e a elocução, pois estes são os meios pelos quais os atores efetuam a imitação" (ver ARISTÓTELES, Poética, trad. Eudoro de Sousa, Lisboa, Guimarães, p. 76). A querela reduz-se a problema de terminologia, porque, ao definir tragédia, o filósofo grego conceitua insensivelmente o teatro ou o espetáculo trágico. Fosse o espetáculo parte da tragédia e não ela elemento dele, não se justificaria que a mesma tragédia resultasse, de acordo com as encenações, em espetáculos tão diferentes. O efêmero confere ao espetáculo categoria estética especial, que pode ser uma razão a mais para o seu fascínio. Imaginar que, em poucas horas, se frustra uma comunicação artística ou se cumpre o destino do teatro, cria para esse tempo um privilégio. A repetição ao longo da vida está na base dos prazeres essenciais. Termina um espetáculo, e o sortilégio só ocorrerá, para o seu criador, em novo espetáculo. Finda uma temporada, restará dele apenas a memória. A concentração de esforços artísticos, em torno do efêmero, atribui ao teatro miséria e grandeza inconfundíveis. 

Fonte:

MAGALDI, Sábato. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 2008. Pág. 7-14.

Hiperlinks nossos.

Tópico: 1. Conceito de Teatro - Registre sua reflexão sobre os trechos sublinhados no texto.

A tríade essencial

Camila | 22/05/2015

"O teatro existe quando o público vê e ouve o ator interpretar um texto",
sendo assim é essencial o ator,texto e o publico para se ter uma peça teatral, sendo que o texto pode ser interpretado através de expressões corporais.

Teatro

Mariana Souza | 21/05/2015

O teatro vai além do palco ou a arte literária. No teatro dramático temos a tríade essencial baseada em texto, ator e público. Na falta de um, não se realiza o espetáculo. Cada elemento tem sua importância, a junção de outras artes tais como arquitetura e pintura para o cenário, figurino que faz a segunda pele do ator, iluminação e música que interagem na cena, tudo isso é um complemento que faz o teatro ainda mais interativo ao público.

A multiplicidade de fatores artísticos conduz a síntese teatral

Fabiana Camargo | 21/05/2015

Compreendo que a arte de representar, não está somente ligada a interpretação, mas sim ao conjunto da obra em sua totalidade (o figurino tem papel cada vez mais importante e variado, tornando-se verdadeiramente a "segunda pele do ator"), assim como cenário e etc.

Teatro Dramático

Jéssica | 21/05/2015

Para o teatro dramático é de suma importancia o papel da Tríade ( ator, público e texto). Os outros que elementos como música, cenário, figurino vem para complementar aquilo que o ator colocará em prática.
O espetáculo se diz a respeito dessa prática em que o ator representa um texto, ou gestos, para um público independente do local.

Interpretação.

Talita Alves | 21/05/2015

Quando um ator tem o papel de interpretação, ele simplesmente se transforma, pois sua capacidade de atuar é deslumbrante, o ator se transforma, ou incorpora o personagem,pois o amor pela arte é grande que o leva a "loucuras" inexplicáveis.

teatro

gisele mello | 21/05/2015

O espetáculo pode durar apenas alguns momentos, mas sempre vai estar na memória de quem assistiu e atuou é uma lição de vida, sobre nossa vidas que estão sendo interpretadas pelo imaginario , e interfere muito em nossas vidas , e faz com que refletimos , e mudamos conceito .

teatro

Jéssica | 21/05/2015

A arte de representar vai além dos palcos. É algo que vem de dentro, a necessidade de expressar os sentimentos, de levar o outro a pensar e se colocar diante de uma situação.
Nem sempre há necessidade de se ter a Tríade, o ator pode apresentar de uma maneira em que a imaginação do público é que vão complementar a apresentação.

Re:teatro

Jéssica | 21/05/2015

#Corrigindo.
Com a necessidade da Tríade no teatro dramático, porém, pode ser apresentado em qualquer lugar desde que haja o ator e o público.

elemento interpretação

Lucas | 18/05/2015

o elemento visual é um elemento importante que deve ser trabalhado e que pode vir acompanhado de outras grandes arte como o cenário e a luz pois imagino que o som pode ser importante mas a formulação da interpretação são essenciais

Re:elemento interpretação

Monica | 20/05/2015

A interpretação não se limita ao texto o ator pode conseguir atingir o objetivo, com a mímica e os elementos que o cercam.

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