Recursos de Distanciamento

a) Observações gerais

 

"DISTANCIAR é ver em termos históricos" (III, 101). Um dos exemplos mais usados por Brecht para exemplificar esta maneira de ver é o de Galileu fitando o lustre quando se pôs a oscilar. Galileu estranhou essas oscilações e é por isso que lhes descobriu as leis. O efeito de distanciamento procura produzir, portanto, aquele estado de surpresa que para os gregos se afigurava como o início da investigação científica e do conhecimento.

A fim de produzir este efeito, Brecht elaborou um grande arsenal de técnicas, apoiado nos predecessores mencionados. Todas elas se ligam à concepção fundamental do teatro épico, isto é, à ideia de introduzir lima estrutura narrativa que, já como tal, implica o "gestus" da serena e distante objetividade do narrador em face do mundo narrado (I, 2, c; I, 3, e). O teatro "dramático" não mantém esta atitude distante, pois o mundo objetivo apresenta-se com a apaixonada subjetividade do gênero lírico, segundo a concepção de Hegel (I, 3, b ); a ação passa-se em plena atualidade, rigorosamente encadeada, precipitando-se com terrível tensão para o desfecho, a ponto de sugar o espectador para o vórtice do seu movimento inexorável, sem lhe dar folga para observar, criticar, estudar.

 

b) Recursos literários

 

Ao lado da atitude narrativa geral associada à própria estrutura da peça, Brecht emprega, para obter o efeito desejado, particularmente a ironia. "Ironia é distância", disse Thomas Mann. Em Mãe Coragem (1939) há um título ou cartaz: "1631. A vitória de Magdeburg, de Tilly, custa à Mãe Coragem quatro camisas para oficiais." Tal texto mostra a relação entre o grande acontecimento histórico e os prejuízos miúdos do indivíduo insignificante; ademais, ambos os eventos são relativizados; distanciam-se mutuamente pela ligação irônica numa só frase. O marechal Tilly e sua vitória são vistos na perspectiva das quatro camisas de mãe Coragem, o que lhes afeta o brilho heróico; ao mesmo tempo a irritação da pequena mercadora é lançada contra o vasto pano de fundo da guerra dos trinta anos, o que lhe dá um cunho caricato.

Outro recurso é a paródia que se pode definir como o jogo consciente com a inadequação entre forma e conteúdo. Se atravessadores ou gangsters exprimem as suas ideias sinistras ou hipócritas no estilo poético de Goethe ou Racine o resultado é o choque entre conteúdo e forma: a própria relação inadequada torna estranhos o texto e os personagens, obtendo-se o violento desmascaramento que amplia o nosso conhecimento pela explosão do desfamiliar. Revela-se a retórica vazia daqueles que usam a linguagem elevada de Schiller para encobrir a corrupção e a corrupção, por sua vez, é realçada por um processo de "eletrochoque", através deste falso invólucro. Assim, em Santa Joana dos Matadouros (1929/30) e A Resistível Ascensão de Arturo Ui (1941) trata-se de est6rias sinistras de atravessadores e gangsters, apresentadas no estilo do drama elevado.

Os processos mencionados são quase sempre cômicos. O cômico por si s6, como foi demonstrado por Bergson (Le Rire), produz certa "anestesia do coração" momentânea, exige no momento certa insensibilidade emocional, requer um espectador até certo ponto indiferente, não muito participante. Para podermos rir, quando alguém escorrega numa casca de banana, estatelando-se no chão, ou quando um marido é enganado pela esposa, é impositivo que não fiquemos muito identificados e nos mantenhamos distanciados em face dos personagens e dos seus desastres.

Muitas piadas verbais usam o processo de criar o choque da estranheza. Se Reine diz que o grande Barão Rothschild o tratou de um modo bem "familionário", o "familiar" é aqui literalmente distanciado. Há um momento de incompreensão, imediatamente seguido de um choque de iluminação: Rothschild tratou-me de um modo bem familiar - na medida em que um milionário é capaz de tratar assim um pobre poeta. Toda uma situação é iluminada, pela compressão do distanciado numa s6 palavra, como através de um flash light. A aglutinação de duas palavras que se estranham mutuamente cria uma colisão e fricção violentas que produzem o "estalo de Vieira". Fenômeno semelhante ocorre em alcoholiday ou na confissão: "Tive um tête-à-béte com Eva".

Um dos recursos mais importantes de Brecht, no âmbito literário, é, pois, o cômico, muitas vezes levado ao paradoxal. Certos contrastes são colocados lado a lado, sem elo lógico e mediação verbal. Conexões familiares, de outro lado, são arrancadas do contexto familiar.

 

E a paz

No comércio de verduras de Chicago já não é mais sonho
E sim áspera realidade (Arturo Vi).

 

Sonho e comércio de verduras; paz no comércio de verduras; a paz é áspera realidade. Parece haver uma ameaça de paz; que poderia haver de mais angustiante do que a irrupção repentina da paz completa? Que diriam os fabricantes de armas? Tudo isso é sugerido por estes versos.

A combinação entre o elemento cômico e o didático resulta em sátira. Entre os recursos satíricos usados encontra-se também o do grotesco, geralmente de cunho mais burlesco do que tétrico ou fantástico (Ver 11,7, e). Não é preciso dizer que a pr6pria essência do grotesco é "tornar estranho" pela associação do incoerente, pela conjugação do díspar, pela fusão do que não se casa - pelo casual encontro surrealista da famosa máquina de costura e do guarda-chuva sobre a mesa de necropsia (Lautréamont). No grotesco, Brecht se aproxima de outras correntes atuais, como por exemplo do Teatro de Vanguarda ou da obra de Kalka. Brecht, porém, usa recursos grotescos e torna o mundo desfamiliar a fim de explicar e orientar. As correntes mencionadas, ao contrário, tendem a exprimir através do grotesco a desorientação em face de lima roa !idade tornada estranha e imperscrutável.

c) Recursos cênicos e cênico-literários

 

Entre os recursos teatrais, mais de perto cênicos, se distinguem os títulos, cartazes e projeções de textos os quais comentam epicamente a ação e esboçam o pano de fundo social. Se Brecht tende a teatralizar a literatura ao máximo - traduzindo nas suas encenações os textos em termos de palco - por outro lado procurou também "literarizar" a cena. Exige que se impregne a ação de orações escritas que, como tais, não pertencem diretamente à ação, que se distanciam dela 'e a comentam e que, ademais, representam um elemento estático, como que à margem do fluxo da ação. São pequenas ilhas que criam redemoinhos de reflexão. O espectador, graças a elas, não é engolfado na corrente do desenvolvimento da ação. O processo é suspenso na visão estática da situação. O público toma a atitude de quem "observa fumando".

Os momentos grotescos, anteriormente salientados, somente no palco obtêm o remate. Para isso contribui o frequente uso da máscara e o estilo de movimentação inspirado em Meyerhold, no teatro asiático e na "Commedia dell' Arte". Numa encenação berlinense (1931), os soldados e o sargento de Homem é Homem apareciam como monstros enormes, mediante o uso de pernas de pau e cabides de arame, acrescentados de gigantescas mãos artificiais e máscaras parciais. Na apresentação de Copenhague (1936) de As Cabeças Redondas e as Cabeças Pontudas, os personagens surgiam com tremendas deformidades dos narizes, orelhas, cabeças, queixos. Efeitos semelhantes foram obtidos em O Sr. Puntila e seu Servo e O Círculo de Giz Caucasiano. As máscaras de Brecht - como as da "Cornmedia dell'Arte" - não apresentam determinada expressão petrificada, como ira, riso, desespero ou susto (isso é típico das máscaras ela Antiguidade e, em parte, da Ásia). São parciais e mostram apenas distorções. Mas a deformação brechtiana atinge quase só as classes superiores, ao passo que a da "Commedia dell' Arte" desfigura também os criados, poupando apenas os namorados.

O cenário é anti-ilusionista, não apoia a ação, apenas a comenta, 11: estilizado e reduzido ao indispensável; pode mesmo entrar em conflito com a ação e parodiá-la. O palco deve ser claramente iluminado e nunca criar ambientes de lusco-fusco que poderiam perturbar os intuitos didáticos da obra.

 

d) Os recursos cênico-musicais

 

Um dos recursos mais importantes de distanciamento é o de o autor se dirigir ao público através de coros e cantores. A função ela música na obra de Brecht corresponde às tendências modernas em geral, que divergem das concepções wagnerianas, segundo as quais a música, o texto, e os outros elementos teatrais se apóiam e intensificam mutuamente, constituindo uma síntese de grande efeito opiático. Tal concepção torna a música um instrumento de interpretação psicológica, tirando-lhe toda autonomia. Contra isso se dirigem muitos compositores, no desejo de lhe restituir a independência perdida. Isso levou à separação entre palavra e música, nos oratórias e cantadas cênicos que atualmente se multiplicam. A iniciativa, neste sentido, parece ter partido de Stravinski, em cuja "ópera" Hist6ria de um Soldado (1918) o narrador do velho oratório conta os eventos que ao mesmo tempo são ilustrados por figuras mudas, pela pantomima ou dança. A orquestra encontra-se ao lado, no palco, e toca uma composição musical autônoma que transmite impulsos coreográficos em vez de interpretar e apoiar o texto. E característico que a cantata - de tendência lírica - e o oratório - de tendência épica - tendem a opor-se à ópera, de tendência dramática. Digna de menção, neste contexto, é uma obra como Édipo Rei, de Stravínskí, em que os eventos são antecipados pelo relato de um narrador; os personagens não desempenham: relatam. O canto é executado num ritmo antiprosódico que fere a acentuação da língua. No mesmo terreno tornou-se famoso o compositor suíço A. Honneger, ao modernizar a polifonia coral de Haendel. Sua composição Joana na Fogueira, sobre o texto de Claudel, tornou-se tão famosa como a de D. Milhaud para Crist6vão Colombo. As tentativas de Brecht de ligar a peça didática ao oratório, são ainda hoje tema de discussão, não obstante a maioria dos especialistas considerá-las fracassadas. por mais interessantes que sejam as invenções musicais de Hanns Eisler e Paul Hindemith.

Geralmente a música assume nas obras de Brecht a função de comentar o texto, de tomar posição em face dele e acrescentar-lhe novos horizontes. Não intensifica a ação; neutraliza-lhe a força encantatória. Quanto aos songs, variam na sua função. Alguns deles são dirigidos diretamente ao público e seu "gestus" é, quase sempre, demonstrativo. apontando "com o dedo" as falhas do mundo narrado; fato esse que implica o desdobramento épico em sujeito e objeto (I, 2. c; I, 3, a). Outros visam tanto ao público como aos outros personagens. Alguns fazem parte do contexto da peça e da ação, interrompendo-a apenas pela passagem a outra arte que não a declamatória; outros não têm relação direta com a ação e detêm radicalmente o fluxo dramático. Tais songs, destacados também por outra iluminação, por cartazes com o título do song, pela subida do ator a um estrado, avanço para o proscênio ou isolamento diante da cortina, têm função de reflexão geral, lema didático; a sua universalidade permite-lhes fazerem parte de peças diversas, sem que percam a sua função comentadora.

O "Song de Salomão", por exemplo, canto sobre a perniciosidade das virtudes excessivas, com o estribilho "é digno de inveja quem for livre disso", consta quase na mesma forma de A Opera dos Ts Vinns e de Mãe Coragem. Na primeira obra, a intérprete de Jenny coloca-se diante da cortina para cantar o song. Sozinha na ribalta, porta-voz do autor, não se dirige a nenhum outro personagem, apenas ao público. Em Mãe Coragem, o song é cantado pelo cozinheiro como personagem da peça que canta para mendigar uma sopinha. O song, nesta peça, conserva todo o seu didatismo cínico, mas agora a sua apresentação é plenamente motivada a partir da ação que, ainda assim, é interrompida e comentada pelo canto.

e) O ator como narrador

 

Todos os recursos expostos não bastariam, para obter o efeito desejado, se ° ator representasse à maneira tradicional, identificando-se totalmente com seu papel. O ator épico deve "narrar" seu papel, com o "gestus" de quem mostra um personagem, mantendo certa. distância dele (I, 2, c; II, 5, e). Por uma parte da sua existência histriônica - aquela que emprestou ao personagem - insere-se na ação, por outra mantém-se à margem dela. Assim dialoga não só com seus companheiros cênicos e sim também com o público. Não se metamorfoseia por completo ou, melhor, executa um jogo difícil entre a metamorfose e o distanciamento, jogo que pressupõe a metamorfose. Em cada momento deve estar preparado para desdobrar-se em sujeito (narrador) e objeto (narrado), mas também para "entrar" plenamente no papel, obtendo a identificação dramática em que não existe a relativização do objeto (personagem) a partir de um foco subjetivo (ator). Que o distanciamento pressupõe a identificação - pelo menos nos ensaios - foi destacado por Brecht (Pequeno Organon, § 53 etc.).

Na medida em que o ator, como porta-voz do autor, se separa do personagem, dirigindo-se ao público, abandona o espaço e o tempo fictícios da ação. No teatro da Dramática pura, os adeptos da ilusão esperam que a entidade "ideal" de cada espectador se identifique com o espaço e tempo ideais (fictícios) por exemplo de Fedra, vivendo imaginariamente o destino mítico de Fedra e Hip6lito, enquanto os cidadãos empíricos, "materiais", permaneceriam como que apagados e esquecidos nas poltronas. No momento, porém, em que o ator se retira do papel, ele ocupa tempo e espaço diversos e com isso relativiza o tempo-espaço ideal da ação dramática. Simultaneamente arranca a entidade ideal do público desse tempo-espaço fictício e a reconduz à plateia, onde se une à parte material do espectador. O personagem e a ação são projetados para o pretérito épico, a partir do foco do ator, cujo espaço-tempo é mais aproximado do espaço-tempo empírico da plateia. Seria talvez ousado dizer que, ao se dirigir à plateia, fala o ator João da Silva. Este apenas finge falar como ator real e desempenha, ainda agora, um papel - o papel do narrador que pronuncia palavras de um autor talvez já falecido. Mas decerto se dirige neste novo papel, mais aproximado da realidade empírica, ao público real da plateia que neste momento já não vive identificado com os personagens e a ação fictícia. É evidente que esse processo interrompe a ilusão, e com isso o processo catártico.

Ao distanciar-se do personagem, o ator-narrador, dividindo-se a si mesmo em "pessoa" e "personagem", deve revelar a "sua" opinião sobre este último; deve "admirar-se ante as contradições inerentes às diversas atitudes" do personagem ( Pequeno Organon, § 64). Assim, o desempenho torna-se também tomada de posição do "ator", nem sempre, aliás, em favor do personagem. O ponto de vista assumido pelo ator é o da crítica social. Ao tomar esta atitude crítica em face do personagem, o ator revela dois horizontes de consciência: o dele, narrador, e o do personagem; horizontes em parte entrecruzados e em parte antinômicos. O ator-narrador mostra um horizonte maior, já por conhecer desde logo o futuro do personagem. Através desse desdobramento é sugerido que o personagem age, como vem agindo, devido à sua limitação de horizonte e devido a dada situação social que não é a do ator-narrador. Se fosse menos limitado e vivesse em outras circunstâncias, o personagem poderia ter agido de modo diverso; sua ação não decorre de "leis naturais", não é determinada por uma fatalidade metafísica.

Para exprimir sua atitude crítica, o ator depende em ampla medida do gesto, da pantomima, da entoação específica, que podem até certo ponto distanciar-se do sentido do texto proferido pelo personagem e entrar mesmo em choque com ele. Dentro do próprio jogo pantomímico, tão ricamente desenvolvido nas encenações de Brecht, podem surgir contradições. Em Mãe Coragem, o filho Eilif executa uma dança de guerra. "A selvageria exultante é, no caso, ao mesmo tempo brutal e refreada. O dançarino salta bem alto no ar, o sabre seguro entre ambas as mãos acima da cabeça; mas sua cabeça se inclina para um lado e os lábios estão franzidos, como num esforço de recordar o movimento seguinte. Eilif é aqui "mostrado" como um jovem que dança a dança da guerra porque acredita ser isso a coisa certa a ser feita, mas que não se sente completamente à vontade ao fazê-lo. A recusa de uma parte da sua humanidade toma-se evidente e a relevância contemporânea da ação transparece" (Ronald Gray, Brecht, Ed. Oliver and Boyd, Londres, 1961, pág. 66).

A expressão dos personagens é determinada por um "gestus social". "Por gestus social seja entendido um complexo de gestos, de mímica e ( ... ) de enunciados que uma ou mais pessoas dirigem a uma ou mais pessoas" (IV, pág. 31). Mesmo as manifestações aparentemente privadas costumam situar-se no âmbito das relações sociais através das quais os homens de determinada época se ligam mutuamente. Até a dor, a alegria etc., revestem-se de um "gestus" sobrepessoal visto se dirigirem, em certa medida, a outros seres humanos. Um homem que vende um peixe, a mulher que seduz um homem, o polícia que bate no pobre - em tudo isso há "gestus social" (IV, 31). A atitude de defesa contra um cão adquire gestus social se nela se exprime a luta que um homem mal trajado tem de travar contra um cão de guarda. Tentativas de não escorregar num plano liso resultariam em gestus social se alguém, ao escorregar, sofresse uma perda de prestígio. "O gestus social é aquele que nos permite tirar conclusões sobre a situação social" (III, 282/83). Devem ser elaborados distintamente os traços que se situam no âmbito do poder da sociedade para, em seguida, serem distanciados, recorrendo-se, quando necessário, mesmo a elementos coreográficos e circenses. Assim, o advogado principal de O Circulo de Giz Caucasiano é ironizado pela maneira acrobática de se comportar; na cena do tribunal, antes de iniciar sua arenga, aproxima-se do juiz com saltos elegantes, graciosamente grotescos, executando uma mesura que por si só é um espetáculo e cuja retórica é uma paródia à retórica barata do seu discurso.

Mas o termo "gestus" refere-se também ao espírito fundamental de uma cena (de um homem, de uma oração). O gestus de uma cena é frequentem ente indicado por um título, p. ex. (em A Vida de Eduardo lI) "A rainha ri do vazio do mundo"; este "gestus" de desdém pelo mundo impregna toda a cena, não só as atitudes da rainha e sim também as dos outros personagens, toda a atmosfera. Tais títulos marcam a essência social do momento (Ver também Pequeno Organon, § 66). Ao fim, a peça é uma totalidade de muitos momentos gésticos. "A grande empresa é a fábula, a composição total de todos os eventos (processos) gésticos, contendo as comunicações e impulsos que em seguida deverão constituir o divertimento do público" (Pequeno Organon, § 65). A fábula é a essência do empreendimento teatral; nisso Brecht concorda com Aristóteles.

Pelo exposto verifica-se que Brecht exige uma perfeição extraordinária do ator. Mesmo representando um possesso, ele não deve parecer possesso; senão, como pode o espectador descobrir o que possui o possesso? (Pequeno Organon, § 47). Para visualizar melhor o gesto demonstrativo, com o qual o ator mostra todos os outros gestos, imaginemo-lo tornado explícito: o ator fuma, por assim dizer, um cigarro, pondo-o de lado no momento em que se apresta para demonstrar mais uma fase do comportamento do personagem. Salienta, talvez, que se observa a si mesmo na execução do gesto; surpreende-se ante a própria atuação, elogia com um olhar um gesto gracioso; sorri satisfeito porque chorou bem e se comporta um pouco como os mágicos no teatro de variedades que, depois de um truque bem executado, convidam o público com um gesto elegante para aplaudir. Tudo isso naturalmente "por assim dizer". Ademais, atua como se narrasse tudo na voz do pretérito, recorrendo à memória e mostrando esse esforço para lembrar-se. Nos ensaios da sua companhia (Ensemble de Berlim) - e o que acaba de ser exposto refere-se em boa parte aos ensaios - Brecht muitas vezes fez os atores recitarem seus papéis na forma narrativa, isto é, na terceira pessoa do pretérito, juntamente com as rubricas e na forma da locução indireta. O ator de Lauffer, na adaptação de uma peça de Lenz, dirigindo-se à atriz de Lisa, diz: "Lauffer pediu a Lisa que se sentasse ao lado dele; depois, levantando-se, perguntou-lhe quem costumava arranjar-lhe os cabelos quando ia à igreja ... ". Isto é, o diálogo é transformado em narração.

 

ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2008. Pág. 155-165.

Tópico: Recursos de Distanciamento - Registre sua reflexão sobre o efeito de estranhamento ou distanciamento.

Sonho x Lógica

Sabine R. | 27/07/2012

O “Distanciar”, para Brecht, não só tinha um objetivo líquido e certo como também um total aparato para logro de seu feito.
Meios como a ironia, a paródia e a narrativa eram inseridos em suas peças como ferramentas para causar este distanciamento do público com o objetivo de “jogar” uma mensagem a qual o público pudesse refletir. O teatro aristotélico não mantém esta atitude distante, ao contrário, mostra a emoção e quer que ela seja recebida desta forma, estanque.
Brecht tinha o objetivo de criar o choque da estranheza e assim utilizava-se do cômico e o didático que resultam em sátira.
Recursos cênicos e cênico-literários como os títulos, cartazes e projeções de textos e os recursos cênico-musicais como os coros e cantores também fazem parte do artifício de causar o Distanciamento, para Brecht.
E, por fim, o ator como narrador, uma das características a que eu mais me identifiquei, também faz parte do conjunto de expediente onde Brecht dosou a receita do tão hodiernamente conhecido Teatro Épico.

E.T.: A perfeição extraordinária do ator, tão exigida por Bertold Brecht, é almejada, entretanto, lógica despretensiosamente sabida do não alcance.

Efeito de distanciamento

Belga | 07/07/2012

Esse efeito se da através da distâcia de um fato tirando assim tudo que ele tem de conhecido,natural, e claro colocando em seu lugar gesto que leve a platéia a se espantar. O Objetivo do afastamento é impossibilitar que o público se indentifique e viva o personagem, e sim possibilite ao público a crítica e reflexão tirando a passividade e acomodação, sendo assim, a pessoa se torna atuante e capaz de transformar a realidade em algo melhor. em uma peça teatral pode proporcionar o espanto por meio de músicas, figurino, cartazes, efeito sonoros, cenário, voz em off entre outros. Tendo sempre o ator como a base, como o alicerce.

distância

Raphael da Silva MIranda | 03/07/2012

Vou ariscar fazer uma comparação do método do distanciamento, na aplicação dos estudos sociológicos e jornalísticos, ambos devem manter certa distância do objeto de estudo para uma análise mais abrangente e madura.

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