Workshop (Antônio Araújo)

5.12 WORKSHOP

 

Improvisação com maior grau de elaboração, uma "quase-cena", preparada com um ou mais dias de antecedência, e que estimula a visão individual de cada ator em relação a um assunto ou problema. Apesar de concebido individualmente, ele pode incorporar outros atores no momento das apresentações. É um dos eixos fundamentais do processo colaborativo e coloca em evidência a função autoral do ator. Tanto como o canovaccio ou o roteiro para o dramaturgo, ou a montagem e a ocupação espacial para o encenador, o workshop é, para o ator, o seu espaço por excelência de criação e posicionamento artístico.

O termo workshop, na verdade, tem pelo menos três significados distintos. O primeiro deles é aquele que nomeia um "curso intensivo", uma "oficina", um "seminário prático". A segunda acepção, de acordo com a tradição anglo-americana, o define como um processo teatral de curta duração, em que se realiza o esboço de algo, que poderá ou não ser desenvolvido posteriormente. É comum, tanto em companhias independentes (Wooster Group; Mabou Mines, etc.) quanto em teatros que criam e produzem suas próprias peças (Royal Court Theatre; New York Theater Workshop, etc.), existirem esses "balões de ensaio" de possíveis novos trabalhos para o repertório.

Às vezes, uma peça-em-processo ou uma produção embrionária pode ser desenvolvida por meio de vários workshops, separados por intervalos de tempo, até que se decida por sua montagem oficial. O workshop, portanto, assume o caráter de teste, de livre-exploração artística sem as pressões de produção, isto é, torna-se um espaço de “segurança e intimidade", como definido por Schechner. Segundo o diretor e teórico americano, o "workshop é um tempo/espaço protegido onde as relações intra-grupais podem se desenvolver sem serem ameaçadas por agressões extra ou inter-grupais”[6].

Talvez, em decorrência dessa ideia de "livre-experimentação", o termo workshop vai ganhar ainda uma terceira conotação. Entramos em contato com ela pela prática de trabalho do grupo Boi Voador, dirigido por Ulisses Cruz. Nesse importante grupo paulista da década de 80, o workshop traduzia a ideia já mencionada de uma "quase-cena", que era apresentada pelos atores durante o processo de montagem do espetáculo.

Uma pequena diferença entre esta prática e aquela realizada pelo Teatro da Vertigem repousa no fato de o Boi Voador - e de outros grupos da época - usar o workshop principalmente em peças prontas ou em adaptações. Ele era um instrumento destinado, com maior ênfase, à encenação e ao levantamento do espetáculo. No caso do Vertigem, além de cumprir esse papel, o workshop tem importância fundamental na criação e construção da dramaturgia.

É justamente no período de elaboração do texto que ocorre o maior número de workshops. Evidentemente, eles servirão também à criação do espetáculo, porém, o seu foco, nesse momento, está colocado no levantamento de material para o roteiro e na investigação de possíveis personagens. Na última fase dos ensaios, pouco após a entrada no espaço, a dinâmica de workshops deixa de existir.

Quanto à sua mecânica de funcionamento, trabalhamos sob determinados parâmetros, pactuados pelo grupo inteiro. Todos os dias, ao final do ensaio, o dramaturgo e o diretor - ou apenas este último - propõem um estímulo para ser trazido na forma de workshop no dia seguinte - ou no máximo dois dias depois, se assim determinado. Esse estímulo pode ser uma palavra, urna frase, urna imagem ou um fragmento de texto. No dia seguinte, todos os atores devem apresentar o seu workshop, o qual traduzirá a visão pessoal daquele ator em relação à proposição dada.

À medida que os ensaios vão se desenrolando, é comum algum dos atores não querer apresentar o seu workshop. Porém, em função do pacto firmado, tal possibilidade não existe. Ou seja, ele deve elaborar alguma cena, seja no intervalo do café ou mesmo minutos antes de se apresentar. Este cotidiano de intensa profusão de cenas, de incessante brainstorm gera um material heterogêneo e desigual. Por outro lado, porém, esse caos criativo contínuo vai esgotando as ideias-prontas e abrindo o processo para textos, imagens e soluções inesperadas.

Assim, a exaustão física grotowskiana parece, no processo colaborativo, ganhar uma dimensão ligada à exaustão de propostas - ideias, textos, imagens ou cenas - as quais os atores devem produzir no calor da hora do ensaio ou nos workshops trazidos de casa. Contudo, essa exaustão não é aquela do cansaço, mas sim, do esgotamento - no sentido deleuziano do termo[7]. Isto é, não ocorre a extenuação, a desertificação artística, mas sim, um esgotar total de possibilidades que acaba provocando o aparecimento inesperado de novas idéias ou conformações.

Poder-se-ia perguntar aonde desemboca tanto material cênico e textual produzido nos workshops e improvisações. Conforme apontamos em nossa dissertação[8], uma parte dessa produção, de fato, se perde; outra parte se materializa no corpo dos atores - ainda que de forma não explícita, como, por exemplo, numa qualidade de presença - e uma última parte, enfim, se concretiza em cena. Ou seja, nem tudo se perde, mas também nem tudo se transforma.

É fundamental que os atores se sintam livres para trazer de casa, naquelas 24 horas de preparação, o que quer que seja. Não deve haver censura, nem recusa de nenhum impulso ou desejo que lhes ocorrer. Eles apresentam, então, um esboço de cena ou uma improvisação estruturada, em que criaram e/ou selecionaram o texto - se houver - as imagens, a música, os objetos, o espaço, a luz e os figurinos. Em outras palavras, eles se exercitam enquanto atores-dramaturgos, atores-encenadores, atores-cenógrafos e assim por diante - o que é diferente de se tornar ou assumir o lugar do dramaturgo, do encenador ou do cenógrafo.

Além disso, a qualidade plástica ou técnica relativa a essas áreas não é o que vem em primeiro lugar. O que importa é a materialização de um conceito ou de um ponto de vista. Apesar disso, na prática, alguns workshops revelam alto grau de elaboração estética.

Após as apresentações do dia, o grupo todo realiza uma discussão sobre o que foi visto e, a partir desse feedback, o diretor ou o dramaturgo pode solicitar a reelaboração do material. O intuito é desenvolver melhor alguma ideia ou imagem cênica, permitindo o aprofundamento do ator em relação às suas próprias visões. Não é incomum, portanto, os atores apresentarem duas ou três versões de um mesmo workshop - às vezes até com acréscimos de texto propostos pela dramaturgia.

Apesar de o depoimento pessoal ser inerente a tudo o que ocorre em sala de ensaio, ele fica maximizado nos workshops. Isto, provavelmente, em decorrência da formalização cênica por eles exigida. Em outros tipos de improvisação, por exemplo, é comum a alternância de momentos de acirramento e de diluição deste depoimento. O workshop, ao contrário, exige uma síntese artística que estimula o ponto de vista individual.

Não devemos nos esquecer, porém, que apesar de planejado solitariamente por um ator, ele acaba congregando o grupo inteiro em sua execução. Na maior parte às vezes, esse ator-encenador convida os outros intérpretes a participarem de sua proposta. Não há ensaio, tudo é combinado na hora e improvisado ali mesmo. No entanto, seguindo as indicações de uma estrutura dramatúrgica e cênica elaborada previamente pelo ator-proponente.

Essa dinâmica propositiva individual acaba fomentando, como já vimos, um tipo de dramaturgia monológica. Contudo, tal tendência pode ser revertida por meio da firme interferência do dramaturgo durante a elaboração do texto. Ela também pode ser atenuada pelo estímulo do encenador à realização de exercícios dialogados e de um maior número de improvisações coletivas.

Porém, a natureza pessoal e particular do workshop não é a responsável pela transformação da peça numa descosida colcha de retalhos. Não nos esqueçamos de que essas "quase-cenas" aparecem com maior força na primeira etapa do trabalho. Ou seja, ainda que tenhamos urna constelação de discursos individualizados, não conectados entre si, eles só explicitam os diferentes pontos de vista presentes no grupo. O passo seguinte do processo, corno veremos, consiste na busca dos mínimos denominadores comuns e na consequente construção de um discurso coletivo.

Por fim, gostaríamos de apontar que, na sequência das atividades de um dia de ensaio, o workshop aparece como a última dinâmica, sendo seguido apenas pela avaliação grupal do que foi desenvolvido naquele encontro. A ideia é de um encaminhamento que vá "aquecendo" criativamente os atores. Parte-se do treinamento direcionado, de caráter mais físico, para uma instância mais subjetiva, materializada pelas vivências. A seguir, vêm as improvisações - grupais, em duplas ou em trios; temáticas; de personagens; escrita automática; pergunta/resposta, etc. - e somente então, são apresentados os workshops, culminado o dia de trabalho. Portanto, resumindo, a sequência que geralmente é empregada nos ensaios é a seguinte:

 

TREINAMENTO DIRECIONADO -> VIVÊNCIA -> IMPROVISAÇÕES -> WORKSHOPS -> AVALIAÇÃO DO DIA DE TRABALHO

 

ARAÚJO, Antônio. A Encenação no Coletivo: desterritorializações da função do diretor no processo colaborativo. 2008. Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, USP, Brasil. (p.162-5)



[6] SCHECHNER, R. Performance Theory. London: Routledge, 1994, pp. 103-104.

[7] Segundo Deleuze, no posfácio às peças para televisão de Beckett, entitulado L'Epuisé, "o esgotado é muito mais do que o cansado. [...] O cansado apenas esgotou a realização, enquanto o esgotado esgota todo o possível. [...] apenas o esgotado pode esgotar o possível, uma vez que ele renunciou a toda necessidade, preferência, finalidade ou significação". In: BECKEIT, s. Quad et autres pieces pour la television. Paris: Les Éditions de Minuit, 1.992, pp. 57-61. (trad. Alexandre de Oliveira Henz).

[8] SILVA, A. C. A., A Gênese da Vertigem: o Processo de Criação de 'O Paraíso Perdido', p. 98 e p.1.50.